quarta-feira, agosto 15, 2007

Abstêmio
A vida é muito dura quando se é abstêmio. Escrever uma crônica, compor uma música ou esperar por um amigo são tarefas ingratas sem a companhia incandescente de um cigarro. Encrencas como declamar um poema em público, declarar-se para uma morena ou mandar o chefe às favas parecem brincadeiras de criança quando temperadas pelo sabor traiçoeiro do álcool.

Afirmo isso com propriedade, porque não fumo, e bebo com moderação de dar inveja aos menos controlados. À vezes até me assusto com minha preocupação com a forma física, na medida que um dos maiores sanguinários da humanidade também pregava os benefícios de uma vida sem tabaco e com baixas taxas de colesterol. Felizmente, não há pesquisa que comprove a relação entre hábitos saudáveis e
comportamentos totalitários. Pelo menos por enquanto...

Mas isso é assunto para outra crônica.

O que me perturba agora, como escrevi acima, é a dificuldade de desbravar o capinzal espinhento da vida sem um scotch na algibeira e um marlboro entre os dedos. Pensamentos imperfeitos são levados para longe pela primeira golada. Ansiedade, preocupação ou tédio perdem força assim que o batalhão de substâncias químicas contidas no
cigarro entra na corrente sanguínea.

Dias desses fui dar um passeio pela noite de Vitória. Fomos para um lugar cheio de barzinhos, situado num bairro de classe alta. É o tipo de lugar onde os mauricinhos vão para exibir os carros e azarar as patricinhas; as patricinhas vão para mostrar os decotes, as caras maquiadas e dar foras nos proletários; os proletários vão para exibir os chevettes rebaixados, desejar as patricinhas e tentar se dar bem com as barangas; e as barangas vão para esnobar os proletários, desejar os playboys e invejar os jeans de 500 reais das patricinhas.

Em meio a esta fauna fedida estava eu. Sem uma gota de álcool no sangue. A mesma rigidez de espírito que me impediu de beber para estar às sete horas do dia seguinte no trabalho produziu na minha mente os pensamentos mais sórdidos. Mas isso é assunto para outra crônica, porque a razão dessas linhas foi uma pegadinha do destino ocorrida na manhã de hoje. Vou contar em poucas linhas.

Há dias estou interessado por uma menina da academia. Diante de certa receptividade, puxei assunto com ela. Descobri nome, gostos, atividades e que tem namorado. Só que a amizade evoluiu, a despeito de um certo desinteresse da minha parte, afinal, como é comprometida, desisti da investidura. E a cada dia a amizade aumentava. Ela falava da faculdade, da facilidade em ganhar peso, do sacrifício dos abdominais. E me ouvia falar dos tempos da faculdade, da dificuldade em ganhar peso, do sacrifício dos abdominais. Então bateu. Meu interesse pela moça de 24 anos, bonita mas que não pára trânsito, que nunca vi conversando com nenhuma integrante da confraria-de-vendedoras-de-shopping-saradas-e-chicleteiras, voltou com mais força.

O golpe fatal veio quando ela me cumprimentou, ao chegar à academia, e reclamou que eu não havia a esperado para ir embora no dia seguinte. Conversamos, treinamos e para minha alegria, terminamos quase na mesma hora. Eu pude esperá-la.

Caminhamos e conversamos. Ela não citou o namorado. Estaria solteira? Falou do vício incontrolável por chocolate. Eu ouvi atento e feliz. Então ela apertou o botão vermelho e jogou napalm nas minhas ilusões. Ela falou do namorado, e que estavam juntos há um mês. Em lua de mel.

You smell that? Do you smell that? Napalm, son. Nothing else in the world smells like that. I love the smell of napalm in the morning.

I hate de smell of napalm in tha morning.

Acho que os óculos escuros disfarçaram meu dissabor. Caminhei de cabeça baixa. Quis um gole, quis um trago. Tirei a camisa pois fazia sol. Era meio dia. Ergui um pouco a cabeça e vi um céu azul cheio de chumaços de algodão. Daí lembrei do Camus, que um dia disse: “para corrigir uma indiferença natural, achei-me colocado a meia distância entra a miséria e o sol. A miséria impediu-me de crer que tudo está bem debaixo do sol e na história. O sol ensinou-me que a história não é tudo.”

Bola pra frente.
8:58 PM

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