terça-feira, maio 11, 2004

Cléo
por Adalberto Silva

A brisa noturna acaricia a barriga nua de Cléo, que fuma ansiosa enquanto espera por alguém disposto a pagar R$ 30,00 em troca de sexo. Ela está plantada no calçadão da praia há mais de duas horas e homem nenhum se interessou em desfrutar aquele corpo pobre, enfeitado por adornos sintéticos, roupas brilhantes e cosméticos emprestados pela melhor amiga.

Cléo é até bonita e bem cuidada para os padrões daquela zona de meretrício. Passou por uma maratona estética, horas antes de estrear como dama da noite: pintou as unhas, fez escova nos cabelos, raspou todos os pêlos das partes assanhadas, perfumou-se nessa mesma região e no resto do corpo, maquiou-se, espalhou purpurina no colo e na barriga e depois de tudo isso gastou uns minutos diante do espelho trincado, em dúvida entre duas microssaias compradas à prazo especialmente para o novo emprego: a preta imitando couro e a dourada com lantejoulas. Escolheu a dourada.

Só que ela não conseguiu fazer um programa sequer. Viu mulheres mais feias que ela, desleixadas e entupidas de crack, entrarem em sedãs caros. Sentiu raiva, pensou em se jogar no mar ou na frente de um carro. Queimou o último Derby de costas para a rua e viu o céu mudar de cor aos poucos. Rogou uma praga ao pai não declarado da sua filha e desistiu de tentar ganhar dinheiro na madrugada que definhava. Mas só naquela madrugada, porque amanhã ela voltará ao ponto, com a mesma bolsinha, o mesmo top, o salto de dez centímetros e a microssaia, desta vez preta.
12:47 AM

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