sexta-feira, julho 13, 2007
Onde mora o pipoqueiro?
Hoje lembrei de uma coisa que me inquietava quando eu era criança. Eu não conseguia entender de onde vinham os pipoqueiros que trabalhavam nas pracinhas, parques de diversão e festas juninas. Minha sabedoria infantil, não sei por que, dizia que eles moravam bem longe dali, de onde alegravam a garotada com a mistura mágica de milho, óleo e sal, e não poderiam carregar o carrinho à pé e muito menos colocá-lo dentro de um ônibus, como faziam os meninos que vendiam picolés na praia.
Às vezes, na fila da roda gigante ou do bate-bate, caía em meditação em busca da resposta. Meus pensamentos eram impreterivelmente interrompidos por um adulto querendo saber o que eu estava pensando – a mais angustiante pergunta desde os tempos de Caim e Abel. Eu voltava ao chão tão ignorante quanto antes e me concentrava nas coisas realmente importantes para um menino de oito anos.
Os mistérios dessa fase da vida foram diminuindo na mesma velocidade em que o número do meu sapato aumentava. Era a luz da ciência e da razão bombardeando minha alma e exterminando as fantasias da idade das formas perfeitas. Não era a voz de Jerry Lewis que mudava de uma hora pra outra e sim a dublagem. O foguete que subia garboso em direção ao espaço não passava de um estilingue descartável para arremessar uma nave de formas nada atraentes. João Paulo II não falava todas as línguas do mundo.
Minhas enciclopédias amigas só não me ensinaram onde os pipoqueiros moravam. Talvez eu não tenha procurado o verbete certo. Ainda bem que eu guardava a dúvida só pra mim, ou algum adulto – sempre eles, caçadores de ilusões – teria me dito que o pipoqueiro mora longe de festa e precisa caminhar um bocado para ganhar uns metais. “É por isso que eu nunca vi pipoqueiro gordo”, eu diria, e iria dormir o sono dos levados, crescer, estudar, me formar, dormir, acordar, malhar, voltar pra casa e ver indiferente um sofrido senhor às portas da terceira idade empurrar um carrinho de picolé amarelo.
Como a sabedoria dos mais velhos não dissipou a velha dúvida, ela voltou a mim diante da visão do combalido empreendedor. De onde vinha aquele homem magro e de cara enrugada? Não havia parque de diversões ou circo por perto, logo ele não desapareceria por encanto quando o espetáculo terminasse. Nenhuma teoria salvadora pairou sobre minha cabeça endurecida. Só a verdade, bruta como uma cusparada. Ele mora longe e andou bastante. Batalha de sol a sol quando deveria colher os frutos de uma existência digna. Maldita imprevidência social.
A frente do carrinho em direção à praia dizia que ele começava sua jornada. As nuvens cinzas lá no alto anunciavam a féria minguada. Segui meu caminho e agradeci aos céus por ninguém ter me falado, na aurora da minha vida, o quanto o pipoqueiro (e o vendedor de milho, algodão doce, maça do amor) sofre para alegrar a vida da gente.
Hoje lembrei de uma coisa que me inquietava quando eu era criança. Eu não conseguia entender de onde vinham os pipoqueiros que trabalhavam nas pracinhas, parques de diversão e festas juninas. Minha sabedoria infantil, não sei por que, dizia que eles moravam bem longe dali, de onde alegravam a garotada com a mistura mágica de milho, óleo e sal, e não poderiam carregar o carrinho à pé e muito menos colocá-lo dentro de um ônibus, como faziam os meninos que vendiam picolés na praia.
Às vezes, na fila da roda gigante ou do bate-bate, caía em meditação em busca da resposta. Meus pensamentos eram impreterivelmente interrompidos por um adulto querendo saber o que eu estava pensando – a mais angustiante pergunta desde os tempos de Caim e Abel. Eu voltava ao chão tão ignorante quanto antes e me concentrava nas coisas realmente importantes para um menino de oito anos.
Os mistérios dessa fase da vida foram diminuindo na mesma velocidade em que o número do meu sapato aumentava. Era a luz da ciência e da razão bombardeando minha alma e exterminando as fantasias da idade das formas perfeitas. Não era a voz de Jerry Lewis que mudava de uma hora pra outra e sim a dublagem. O foguete que subia garboso em direção ao espaço não passava de um estilingue descartável para arremessar uma nave de formas nada atraentes. João Paulo II não falava todas as línguas do mundo.
Minhas enciclopédias amigas só não me ensinaram onde os pipoqueiros moravam. Talvez eu não tenha procurado o verbete certo. Ainda bem que eu guardava a dúvida só pra mim, ou algum adulto – sempre eles, caçadores de ilusões – teria me dito que o pipoqueiro mora longe de festa e precisa caminhar um bocado para ganhar uns metais. “É por isso que eu nunca vi pipoqueiro gordo”, eu diria, e iria dormir o sono dos levados, crescer, estudar, me formar, dormir, acordar, malhar, voltar pra casa e ver indiferente um sofrido senhor às portas da terceira idade empurrar um carrinho de picolé amarelo.
Como a sabedoria dos mais velhos não dissipou a velha dúvida, ela voltou a mim diante da visão do combalido empreendedor. De onde vinha aquele homem magro e de cara enrugada? Não havia parque de diversões ou circo por perto, logo ele não desapareceria por encanto quando o espetáculo terminasse. Nenhuma teoria salvadora pairou sobre minha cabeça endurecida. Só a verdade, bruta como uma cusparada. Ele mora longe e andou bastante. Batalha de sol a sol quando deveria colher os frutos de uma existência digna. Maldita imprevidência social.
A frente do carrinho em direção à praia dizia que ele começava sua jornada. As nuvens cinzas lá no alto anunciavam a féria minguada. Segui meu caminho e agradeci aos céus por ninguém ter me falado, na aurora da minha vida, o quanto o pipoqueiro (e o vendedor de milho, algodão doce, maça do amor) sofre para alegrar a vida da gente.
10:48 PM