segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Dois braços
Tenho a capacidade de tirar coisas boas de situações aparentemente ingratas. Andar de ônibus é uma delas. O caminho para o trabalho é um desfile de beldades. Tem a morena esguia do Tribunal de Justiça, a baixinha de seios fartos sexy e falante e uma loira quase perfeita do alto dos seus saltos, não fosse o vestido curto a cobrir-lhe as vergonhas. Essa última, desconfio, tem a função de motivar os colegas do trabalho. Uma circulada pelo escritório e pronto: sonolentos ficam ativados, relapsos rendem mais e a turma do cafezinho volta para seus lugares, iludidos de que o trabalho duro os compensará com os carinhos da moça.

Numa dessas manhãs entrou uma moça e sentou-se ao meu lado. Era uma loira, mais de vinte e cinco, roupas da moda, óculos escuros caros no rosto e aquele jeito de mulher que nunca me daria uma chance. Ela sentou-se e colou seu braço contra o meu. Fôssemos corpulentos, não haveria nada de errado nisso, só que éramos dois magros, e o contato não era inevitável.

Eu lia uma revista de negócios e por um momento me esqueci das franquias mais promissoras para aproveitar tão íntimo contato. Eu podia sentir a maciez da pele. Temia que ela se desse conta do toque e afastasse o braço meio centímetro para a esquerda. Resolvi deixar a leitura de lado e desfrutar do pouco que a moça me oferecia. Cada curva, cada solavanco do veículo eram uma fonte de prazer. Os quilômetros avançaram e a ternura tomou conta da lascívia inicial.

Voltei para a revista, dono da situação. A moça era minha.

O enfado chegou antes do ônibus cruzar a terceira-ponte. A quentura da moça era uma vaga lembrança em meu braço. Seus tornozelos, suas mãos, seu perfil, nada mais me interessava. Hora de descartá-la. Não tive esse trabalho. Como veio ela se foi. Não a vi no outro dia, na outra semana nem um mês depois.

Quem sabe um dia nos encontramos, numa boate, talvez, onde ela vai ignorar sem nenhum pudor o affair que tivemos.
11:52 PM

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