terça-feira, maio 25, 2004
A VOLTA DO BOEMIO
por João do Papel
Meu pai sempre chegava em casa cantando esta música. A bem da verdade, nem sempre. É que tenho mania de escrever "sempre" e "nunca", duas palavras que não existem. Meu amigo Marcos, certa vez, escreveu um artigo sobre a beleza das mulheres, e com sua malícia bem dosada (dele e do irmão, co-autor da peça) trouxe à luz um conceito muito caro da ciência, a inexistencia de extremos. Não existe o zero absoluto, assim como não há nada capaz de se mover à velocidade da luz. Nada além da luz, claro.
Mas não estávamos falando disso. O texto era sobre meu pai, e sua canção, "A Volta do Boemio". Escolhi-a porque, depois de um longo período afastado, estou de volta ao emprego mais bem pago, o TS. Meu bom Deus, como é difícil escrever sobre coisas complicadas. Estou há dois parágrafos tentando falar, mas não sai, não vai sair. Estou até um pouco envergonhado, tentando arrumar um fio de assunto que seja, para não deixar esta crônica ao vento. "Ele voltou, o boemio voltou novamente, saiu daqui tão contente, não sei por que razão quer voltar..."
Que canção. Quando fecho os olhos, posso ouvir meu pai cantando-a, retornando de um de seus anoiteceres etílicos, depois do trabalho duro na oficina. A letra da canção é a síntese de um recorrente conflito humano: a honra do vagabundo. O varão, quando cresce, precisa sair de casa, em busca de si mesmo, fazer sua peregrinação no deserto, a mesma presente em mil culturas anciãs. Mas, infelizmente esquecida na nossa. Recentemente vi um filme chamado Samsara, que conta a história de um monge budista. Ele larga o costume para conhecer o que chama de "império dos prazeres" e acaba constituindo família (faz um filho numa mulher). Torna-se esposo, mas sente o ímpeto de completar sua jornada espiritual -- volta ao mosteiro. O maior interesse do filme é este: o homem tem que sair, precisa caçar e ser caçado -- longe de qualquer segurança. O homem aprende caindo. Está na cara. Mas, repito, hoje não é assim. O espírito vagabundo acaba afogado em joguinhos de grana e poder. E muita mediocridade.
Aos verdadeiros espíritos vagabundos, um brinde. Sou um homem ironizado, como vocês. Também estou procurando o sentido nisso tudo -- e esperando o momento quando, no fim da vida, olharemos para trás, para ver que o que está feito é bom, íntegro, verdadeiro. Mas vale ajudar os carreiristas enquanto há tempo. Generosidade é moeda valiosa no mundo dos espíritos vagabundos.
por João do Papel
Meu pai sempre chegava em casa cantando esta música. A bem da verdade, nem sempre. É que tenho mania de escrever "sempre" e "nunca", duas palavras que não existem. Meu amigo Marcos, certa vez, escreveu um artigo sobre a beleza das mulheres, e com sua malícia bem dosada (dele e do irmão, co-autor da peça) trouxe à luz um conceito muito caro da ciência, a inexistencia de extremos. Não existe o zero absoluto, assim como não há nada capaz de se mover à velocidade da luz. Nada além da luz, claro.
Mas não estávamos falando disso. O texto era sobre meu pai, e sua canção, "A Volta do Boemio". Escolhi-a porque, depois de um longo período afastado, estou de volta ao emprego mais bem pago, o TS. Meu bom Deus, como é difícil escrever sobre coisas complicadas. Estou há dois parágrafos tentando falar, mas não sai, não vai sair. Estou até um pouco envergonhado, tentando arrumar um fio de assunto que seja, para não deixar esta crônica ao vento. "Ele voltou, o boemio voltou novamente, saiu daqui tão contente, não sei por que razão quer voltar..."
Que canção. Quando fecho os olhos, posso ouvir meu pai cantando-a, retornando de um de seus anoiteceres etílicos, depois do trabalho duro na oficina. A letra da canção é a síntese de um recorrente conflito humano: a honra do vagabundo. O varão, quando cresce, precisa sair de casa, em busca de si mesmo, fazer sua peregrinação no deserto, a mesma presente em mil culturas anciãs. Mas, infelizmente esquecida na nossa. Recentemente vi um filme chamado Samsara, que conta a história de um monge budista. Ele larga o costume para conhecer o que chama de "império dos prazeres" e acaba constituindo família (faz um filho numa mulher). Torna-se esposo, mas sente o ímpeto de completar sua jornada espiritual -- volta ao mosteiro. O maior interesse do filme é este: o homem tem que sair, precisa caçar e ser caçado -- longe de qualquer segurança. O homem aprende caindo. Está na cara. Mas, repito, hoje não é assim. O espírito vagabundo acaba afogado em joguinhos de grana e poder. E muita mediocridade.
Aos verdadeiros espíritos vagabundos, um brinde. Sou um homem ironizado, como vocês. Também estou procurando o sentido nisso tudo -- e esperando o momento quando, no fim da vida, olharemos para trás, para ver que o que está feito é bom, íntegro, verdadeiro. Mas vale ajudar os carreiristas enquanto há tempo. Generosidade é moeda valiosa no mundo dos espíritos vagabundos.
12:33 AM