domingo, julho 25, 2004

Fragmento
por Adalberto Silva

A mesa comprida ocupada por sete pessoas silenciosas deixava o almoço com ar solene. O pai, sentado na cabeceira, jogava farinha no prato com sofreguidão e seriedade. As quatro filhas comiam quietas, pescoços duros, olhos fixos, mastigação lenta. A matriarca, também silenciosa, preocupada em servir bem o marido e a mim, que estava sentado na outra ponta da mesa de madeira de lei.

O cardápio era uma mistura de sabores e origens diversas. Não sei se comiam sempre daquela forma (creio que sim, pois não esperavam por visita), misturando, em lar alemão, a polenta italiana com feijão preto cheio de carne-seca, frango ensopado com quiabo, farinha de mandioca (muita farinha!), torresmo, lingüiça de porco frita.

Eu comia forçado, apesar das horas de inanição. Não sei o motivo, pois a comida era boa. Estava mais interessado em contemplar a luz que invadia o recinto e ressaltava os vapores emanados das carnes e dos acompanhamentos. Queria sair logo, comer, beber uma água, depois fumar e conversar com o chefe da família, como manda a boa educação, e seguir meu rumo. Ao mesmo tempo estava atraído pelo clima primitivo do lugar, ainda sem televisão ou rádio, com hábitos da época dos meus avós, com aquelas quatro moças lindas, de peles branquíssimas, cabelos loiros e compridos, rústicas, iletradas, mas donas de uma beleza que a lida na lavoura logo roubará.

Pensei em pedir trabalho ao senhor Kultz e ficar durante uns dias no sítio, dormindo no quarto do fundos. Desisti. Concluí que não poderia pôr em risco a harmonia da família de lavradores com meu fardo. Findo o almoço e as confraternizações com o patriarca, peguei a mochila e retomei a jornada, sem saber que dois olhos azuis de menina me observavam com intenções sórdidas.

10:26 PM

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