sexta-feira, julho 02, 2004
DOCE VINGANÇA (OU VERÔNICA)
por Adalberto Silva
Chovia fino quando se reencontraram. Ele olhava para fora da janela do ônibus, distraído com o cinza do céu, as luzes dos carros, os reflexos e o vaivém de pessoas naquele entardecer de junho. Um leve toque no ombro o fez acordar. Era Verônica, a antiga namorada. Os dois não se viam há pouco mais de um ano. Seguiram o protocolo: como vai?, tudo bem?, o que está fazendo?.
Ele saltou primeiro. A chuva fina deixava em seu casaco preto incontáveis gotinhas prateadas, o vento gelado balançava as árvores, os faróis iam e vinham, mas o rapaz não ligava mais para aquela paisagem invulgar na sua cidade. Perguntava-se, caminhando com os olhos no chão de pedra portuguesa, como pôde romper com Verônica, acabar tudo quando o relacionamento ainda valia a pena. Sim, lembrou-se porque rompera. Seu código de ética, naquela época, obrigava-o a retirar-se sempre no melhor momento. Valia para qualquer ocasião: encontros em botecos, festas, partidas de basquete, grupos de estudo, etc. Com o namoro não poderia ser diferente. Um telefonema frio numa noite de verão e pronto: uma moça de 23 anos, cabelos negros e escorridos, avessa a praia, olhos verdes e nem bonita nem feia chorava do outro lado da linha.
Em casa, estatelado na cama, sofria de arrependimento. Não pela falta cometida (ele realmente acreditava na retidão do ato) e sim porque a Verônica por ele dispensada estava ruiva, mais bonita, mais faladeira, com umas roupas que ele só via na televisão ou nas páginas da Elle folheadas na sala de espera do dentista. Tinha até tatuagem!, é!, três estrelinhas desenhadas no lado direito do pescoço. Decidiu reconquistá-la. Um telefonema, um encontro na Cafeteria Hats e o mea culpa estratégico.
Ligou no dia seguinte, do escritório. A falsa ruiva com piercing na língua (ele não viu este detalhe) atendeu, não muito longe dali, e aceitou o convite: Cafeteria Hats, hoje, 18h30.
Verônica chegou na hora marcada. Ele já estava lá, com uma xícara fumegante debaixo do nariz. Os cumprimentos triviais e depois conversa, muita conversa e nenhum sinal de mágoa. Na verdade um monólogo estrelado por Verônica. Ela falava, falava, falava, mas foi sem palavras que apunhalou as intenções do seu espectador. Certa hora, enquanto jogava a franja para trás, exibiu a tatuagem no antebraço que as mangas compridas escondiam. Com uma caligrafia caprichada, igual àquelas usadas em convites de casamento, estava desenhado o nome da sua paixão, o Rodolfo. O aspirante a (re)conquistador não consegui disfarçar a dor causada pelo golpe, o primeiro da noite.
O segundo e derradeiro veio na figura de um magrelo de cabelos vermelhos e alegremente vestido, que se aproximou da mesa circunspecto. Verônica pediu licença e se levantou para saudá-lo. E que saudação. Rodolfo e Verônica não trocaram uma palavra. Apenas beijaram-se demorada e apaixonadamente. O ex-namorado comeu três pães de queijo e engoliu meia xícara de chá antes de pôr uma nota de 10 reais deitada sob o pires e partir sem olhar para trás.
por Adalberto Silva
Chovia fino quando se reencontraram. Ele olhava para fora da janela do ônibus, distraído com o cinza do céu, as luzes dos carros, os reflexos e o vaivém de pessoas naquele entardecer de junho. Um leve toque no ombro o fez acordar. Era Verônica, a antiga namorada. Os dois não se viam há pouco mais de um ano. Seguiram o protocolo: como vai?, tudo bem?, o que está fazendo?.
Ele saltou primeiro. A chuva fina deixava em seu casaco preto incontáveis gotinhas prateadas, o vento gelado balançava as árvores, os faróis iam e vinham, mas o rapaz não ligava mais para aquela paisagem invulgar na sua cidade. Perguntava-se, caminhando com os olhos no chão de pedra portuguesa, como pôde romper com Verônica, acabar tudo quando o relacionamento ainda valia a pena. Sim, lembrou-se porque rompera. Seu código de ética, naquela época, obrigava-o a retirar-se sempre no melhor momento. Valia para qualquer ocasião: encontros em botecos, festas, partidas de basquete, grupos de estudo, etc. Com o namoro não poderia ser diferente. Um telefonema frio numa noite de verão e pronto: uma moça de 23 anos, cabelos negros e escorridos, avessa a praia, olhos verdes e nem bonita nem feia chorava do outro lado da linha.
Em casa, estatelado na cama, sofria de arrependimento. Não pela falta cometida (ele realmente acreditava na retidão do ato) e sim porque a Verônica por ele dispensada estava ruiva, mais bonita, mais faladeira, com umas roupas que ele só via na televisão ou nas páginas da Elle folheadas na sala de espera do dentista. Tinha até tatuagem!, é!, três estrelinhas desenhadas no lado direito do pescoço. Decidiu reconquistá-la. Um telefonema, um encontro na Cafeteria Hats e o mea culpa estratégico.
Ligou no dia seguinte, do escritório. A falsa ruiva com piercing na língua (ele não viu este detalhe) atendeu, não muito longe dali, e aceitou o convite: Cafeteria Hats, hoje, 18h30.
Verônica chegou na hora marcada. Ele já estava lá, com uma xícara fumegante debaixo do nariz. Os cumprimentos triviais e depois conversa, muita conversa e nenhum sinal de mágoa. Na verdade um monólogo estrelado por Verônica. Ela falava, falava, falava, mas foi sem palavras que apunhalou as intenções do seu espectador. Certa hora, enquanto jogava a franja para trás, exibiu a tatuagem no antebraço que as mangas compridas escondiam. Com uma caligrafia caprichada, igual àquelas usadas em convites de casamento, estava desenhado o nome da sua paixão, o Rodolfo. O aspirante a (re)conquistador não consegui disfarçar a dor causada pelo golpe, o primeiro da noite.
O segundo e derradeiro veio na figura de um magrelo de cabelos vermelhos e alegremente vestido, que se aproximou da mesa circunspecto. Verônica pediu licença e se levantou para saudá-lo. E que saudação. Rodolfo e Verônica não trocaram uma palavra. Apenas beijaram-se demorada e apaixonadamente. O ex-namorado comeu três pães de queijo e engoliu meia xícara de chá antes de pôr uma nota de 10 reais deitada sob o pires e partir sem olhar para trás.
12:13 AM