sábado, abril 03, 2004
POST
por João do Papel
Estou sentado diretamente à janela do BLOGGER onde o usuário deve digitar seu post, essa já instituição do século XXI. Antigamente tínhamos grandes diários orgulhosos de ter essa palavra em seu nome, o grandalhão Washington Post talvez seja o exemplo mais invulgar. A palavra deu origem, entre outras, ao vernáculo POSTER, que em português tornou-se pôster, que todo mundo conhece, a maneira de anunciar determinada mensagem através de um papel colado na parede -- postado na parede.
Outros significados também estão a mão. Se o cidadão norte-americano desconfia que sua propriedade será invadida por indivíduos de castas inferiores (sangue latino e pele bronzeada), pode envolver o jardim com cercas elétricas e colocar grandes placas informando sobre a gravidade do crime de invasão de domicílio, talvez até mesmo em espanhol, para facilitar. Sim, esse rapaz está fazendo "posts", que são avisos contra ou a favor de alguma coisa. O mesmo ianque, se depois de encher-se cuidados e placas, continuar a desconfiar que recebe visitas inadequadas do cucaracha, pode ir a público numa delegacia e "post" este homem como ladrão. Isso mesmo. A palavra também serve para denunciar alguém publicamente. Apontar o dedo, o nosso dedurar. Depois de fazer fama com processos sobre gringos paranóicos, o advogado do mexicano injustiçado pode meter seu nome na lista de telefones como um homem de casos resolutos e preços baixos. Estará fazendo um "post" de seu nome para a lista telefonônica. Já o latino, que só queria ganhar dinheiro e comprar um Playstation II, acabou com 10% da grana do processo (o advogado abocanhou os outros 90%), o suficiente para comprar um Playstation One mais dois CDs de Luta Livre, seu jogo preferido. Quando vence adversários no game, o herói hispânico-falante faz "posts". A palavra também é um sinônimo de "marcar pontos".
Sem falar nos outros significados mais ou menos difundidos: correio, poste, posto militar (aquela história de posto avançado, lembra?), toque de recolher (somente para o exército inglês), posto de trabalho (emprego), -- pesquisando é arriscado achar mais coisa. A palavra vem do latim postis, que quer dizer poste. Mas, para desespero dos dicionaristas, também vem do italiano. A origem é da palavra "posta", particípio do verbo "porre", que lá quer dizer colocar (em determinado lugar). Posta tornou-se o nome das estações onde ficavam os cavalos, nas primeiras tentativas de correios do mundo, por causa dos postes onde os mensageiros amarravam seus meios de transporte. Daí até dar o nome de "post" para todos os pacotes de encomendas, mensagens, foi um pulo.
Mas o principal gosto dessa palavra é mesmo o sistema pelo qual as mensagens, objetos, são transportados de um lugar para outro. Exatamente o que está acontecendo aqui, agora, nesse humilde espaço. Estou, simplesmente, postando.
por João do Papel
Estou sentado diretamente à janela do BLOGGER onde o usuário deve digitar seu post, essa já instituição do século XXI. Antigamente tínhamos grandes diários orgulhosos de ter essa palavra em seu nome, o grandalhão Washington Post talvez seja o exemplo mais invulgar. A palavra deu origem, entre outras, ao vernáculo POSTER, que em português tornou-se pôster, que todo mundo conhece, a maneira de anunciar determinada mensagem através de um papel colado na parede -- postado na parede.
Outros significados também estão a mão. Se o cidadão norte-americano desconfia que sua propriedade será invadida por indivíduos de castas inferiores (sangue latino e pele bronzeada), pode envolver o jardim com cercas elétricas e colocar grandes placas informando sobre a gravidade do crime de invasão de domicílio, talvez até mesmo em espanhol, para facilitar. Sim, esse rapaz está fazendo "posts", que são avisos contra ou a favor de alguma coisa. O mesmo ianque, se depois de encher-se cuidados e placas, continuar a desconfiar que recebe visitas inadequadas do cucaracha, pode ir a público numa delegacia e "post" este homem como ladrão. Isso mesmo. A palavra também serve para denunciar alguém publicamente. Apontar o dedo, o nosso dedurar. Depois de fazer fama com processos sobre gringos paranóicos, o advogado do mexicano injustiçado pode meter seu nome na lista de telefones como um homem de casos resolutos e preços baixos. Estará fazendo um "post" de seu nome para a lista telefonônica. Já o latino, que só queria ganhar dinheiro e comprar um Playstation II, acabou com 10% da grana do processo (o advogado abocanhou os outros 90%), o suficiente para comprar um Playstation One mais dois CDs de Luta Livre, seu jogo preferido. Quando vence adversários no game, o herói hispânico-falante faz "posts". A palavra também é um sinônimo de "marcar pontos".
Sem falar nos outros significados mais ou menos difundidos: correio, poste, posto militar (aquela história de posto avançado, lembra?), toque de recolher (somente para o exército inglês), posto de trabalho (emprego), -- pesquisando é arriscado achar mais coisa. A palavra vem do latim postis, que quer dizer poste. Mas, para desespero dos dicionaristas, também vem do italiano. A origem é da palavra "posta", particípio do verbo "porre", que lá quer dizer colocar (em determinado lugar). Posta tornou-se o nome das estações onde ficavam os cavalos, nas primeiras tentativas de correios do mundo, por causa dos postes onde os mensageiros amarravam seus meios de transporte. Daí até dar o nome de "post" para todos os pacotes de encomendas, mensagens, foi um pulo.
Mas o principal gosto dessa palavra é mesmo o sistema pelo qual as mensagens, objetos, são transportados de um lugar para outro. Exatamente o que está acontecendo aqui, agora, nesse humilde espaço. Estou, simplesmente, postando.
6:19 PM
O CARRO DE MEU PAI
por João do Papel
Ir para casa e dirigir o carro de meu pai é como refazer a leitura de um livro querido, da adolescência talvez, no volume original. O livro está em más condições, bem consumido. Mas é um bom livro, e dá aquela mesma sensação do primeiro encontro, a maravilhosa hesitação do aprendizado.
Abro a porta com um macete e assumo a direção. Olho o interior. Este carro é um improviso sobre o chassi. Não há a mais vaga impressão de conforto. Com o incessante virar das folhinhas de mulher pelada (meu pai é mecânico), a direção ficou áspera, o câmbio folgou, e o freio agora tem o mau costume de preferir certa roda em prejuízo da outra.
Um motorista desavisado corre sério risco de pane seca ou de levar multa, porque os ponteiros e luzinhas do painel estão caducos. Mas meu pai não liga. Ele conhece o carro. Não precisa de ajuda para saber a diferença entre soluço e engasgo. Entende no carro aquilo que gostaria de ter entendido em muitas mulheres.
Pois me ocorre que meu pai é um artesão. Não só conserta, mas também cria peças e encaixes em sua bancada suja de graxa. Tem orgulho de, no início da década de 1980, ter adaptado alguns carburadores de Passat em Belina, a fim de melhorar o rendimento da perua.
Ele é muito engenhoso, mas analógico. Sente saudades do carburador, o som do combustível sugado pelo bom e velho carburador (vê nesta peça a justeza de um menino que encontra um caldo-de-cana depois de jogar bola o dia todo). Chips, as pequenas pestes desalmadas. Esses automóveis controlados por chips estão mais mansos para o motorista, mas ficaram impossíveis para os auto-didatas como meu pai.
Pergunto se o advento do sincronizado também não matou os mecânicos acostumados ao câmbio seco. Ele desconversa, não foi bem assim meu filho, o câmbio seco é parecido com o sincronizado meu filho, porque nesse caso é tudo de verdade -- ele agita as mãos, desenha no ar as peças e seu movimento -- é tudo de verdade, eu consigo pegar, eu entendo. Apenas sorrio e concordo com a cabeça.
Um dia, ao estudar o remendo certo para determinado escapamento, precisou acalmar o cliente que morria de pressa: "como ensinou o filósofo", disse meu pai, "dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e moverei o mundo". Um comentário levemente cínico e muito bem colocado. Falou isso e enlaçou o cano de descarga com um arame, e prendeu tudo na barra que sustenta a carroceria. "Olha aqui", imagino que ele tenha pensado de si para si, "eu sou um mecânico de bairro, mas sou um artesão. Pode não ser o conserto da autorizada, mas tem alma". É uma citação lapidar, o lance genial de um micro-empresário mais artista que burguês.
Volto ao encontro que tive com o carro de meu pai. Estou dirigindo o primogênito dos Saveiros; tão velho que divide as vezes do motor 1.500 com o Fusca. Eu acelero, porque o barulho é bom. Um motor célebre, uma voz conhecida. Como tenho orgulho desse Saveiro velho. É um dos melhores amigos do meu pai -- é o carro do meu pai. O carro que agora tenho a honra de guiar.
por João do Papel
Ir para casa e dirigir o carro de meu pai é como refazer a leitura de um livro querido, da adolescência talvez, no volume original. O livro está em más condições, bem consumido. Mas é um bom livro, e dá aquela mesma sensação do primeiro encontro, a maravilhosa hesitação do aprendizado.
Abro a porta com um macete e assumo a direção. Olho o interior. Este carro é um improviso sobre o chassi. Não há a mais vaga impressão de conforto. Com o incessante virar das folhinhas de mulher pelada (meu pai é mecânico), a direção ficou áspera, o câmbio folgou, e o freio agora tem o mau costume de preferir certa roda em prejuízo da outra.
Um motorista desavisado corre sério risco de pane seca ou de levar multa, porque os ponteiros e luzinhas do painel estão caducos. Mas meu pai não liga. Ele conhece o carro. Não precisa de ajuda para saber a diferença entre soluço e engasgo. Entende no carro aquilo que gostaria de ter entendido em muitas mulheres.
Pois me ocorre que meu pai é um artesão. Não só conserta, mas também cria peças e encaixes em sua bancada suja de graxa. Tem orgulho de, no início da década de 1980, ter adaptado alguns carburadores de Passat em Belina, a fim de melhorar o rendimento da perua.
Ele é muito engenhoso, mas analógico. Sente saudades do carburador, o som do combustível sugado pelo bom e velho carburador (vê nesta peça a justeza de um menino que encontra um caldo-de-cana depois de jogar bola o dia todo). Chips, as pequenas pestes desalmadas. Esses automóveis controlados por chips estão mais mansos para o motorista, mas ficaram impossíveis para os auto-didatas como meu pai.
Pergunto se o advento do sincronizado também não matou os mecânicos acostumados ao câmbio seco. Ele desconversa, não foi bem assim meu filho, o câmbio seco é parecido com o sincronizado meu filho, porque nesse caso é tudo de verdade -- ele agita as mãos, desenha no ar as peças e seu movimento -- é tudo de verdade, eu consigo pegar, eu entendo. Apenas sorrio e concordo com a cabeça.
Um dia, ao estudar o remendo certo para determinado escapamento, precisou acalmar o cliente que morria de pressa: "como ensinou o filósofo", disse meu pai, "dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e moverei o mundo". Um comentário levemente cínico e muito bem colocado. Falou isso e enlaçou o cano de descarga com um arame, e prendeu tudo na barra que sustenta a carroceria. "Olha aqui", imagino que ele tenha pensado de si para si, "eu sou um mecânico de bairro, mas sou um artesão. Pode não ser o conserto da autorizada, mas tem alma". É uma citação lapidar, o lance genial de um micro-empresário mais artista que burguês.
Volto ao encontro que tive com o carro de meu pai. Estou dirigindo o primogênito dos Saveiros; tão velho que divide as vezes do motor 1.500 com o Fusca. Eu acelero, porque o barulho é bom. Um motor célebre, uma voz conhecida. Como tenho orgulho desse Saveiro velho. É um dos melhores amigos do meu pai -- é o carro do meu pai. O carro que agora tenho a honra de guiar.
1:21 AM
HERÓIS DE BORRACHA
por Adalberto Silva
O menino pobre adorava brincar de guerra. Tinha seu exército particular, composto por 23 bonequinhos verdes de borracha e mais uns índios e cowboys brindes de goiabada. No seu cantinho na casa simples, era o comandante das maiores batalhas de infantaria. O chinelo virava barricada, uma almofada, colina a ser conquistada. As batalhas duravam dias e mais dias, na sua cabecinha de menino da terceira série.
Como todo senhor da guerra que se preze, desejava expandir a tropa. Infelizmente esse brinquedo não era como jogo de bolinha de gude, no qual era possível aumentar o arsenal às custas da inocência dos outros. Um pacote com cinco soldadinhos sortidos custava dinheiro, dinheiro miúdo, mas uma fortuna para o menino de idéias beligerantes e pais desempregados.
Então ele tem um estalo. Lembra-se que um colega da escola, garoto mimado e meio rico, vive a exibir seu exército no recreio. São tantos bonecos que nem cabem na mochila. Planeja surrupiar um por dia, sem que o dono mais favorecido desconfie.
Agora o menino tem um belo exército, conquistado às custas do outro, endinheirado e exibicionista, que adora humilhar os coleguinhas de uniformes velhos e merendeiras vazias. Finalmente o menino vai brincar de guerra grande, com muitas trincheiras, manobras, tomadas de posições, atos de coragem.
Ele vai até o cantinho preferido e ajeita o campo da batalha dos sonhos. Nem percebe os tiros que pipocam lá fora, disputa entre traficantes. O menino cai, peito no chão como seus heróis de borracha, atingido por um projétil calibre 7.62.
por Adalberto Silva
O menino pobre adorava brincar de guerra. Tinha seu exército particular, composto por 23 bonequinhos verdes de borracha e mais uns índios e cowboys brindes de goiabada. No seu cantinho na casa simples, era o comandante das maiores batalhas de infantaria. O chinelo virava barricada, uma almofada, colina a ser conquistada. As batalhas duravam dias e mais dias, na sua cabecinha de menino da terceira série.
Como todo senhor da guerra que se preze, desejava expandir a tropa. Infelizmente esse brinquedo não era como jogo de bolinha de gude, no qual era possível aumentar o arsenal às custas da inocência dos outros. Um pacote com cinco soldadinhos sortidos custava dinheiro, dinheiro miúdo, mas uma fortuna para o menino de idéias beligerantes e pais desempregados.
Então ele tem um estalo. Lembra-se que um colega da escola, garoto mimado e meio rico, vive a exibir seu exército no recreio. São tantos bonecos que nem cabem na mochila. Planeja surrupiar um por dia, sem que o dono mais favorecido desconfie.
Agora o menino tem um belo exército, conquistado às custas do outro, endinheirado e exibicionista, que adora humilhar os coleguinhas de uniformes velhos e merendeiras vazias. Finalmente o menino vai brincar de guerra grande, com muitas trincheiras, manobras, tomadas de posições, atos de coragem.
Ele vai até o cantinho preferido e ajeita o campo da batalha dos sonhos. Nem percebe os tiros que pipocam lá fora, disputa entre traficantes. O menino cai, peito no chão como seus heróis de borracha, atingido por um projétil calibre 7.62.
12:54 AM
quinta-feira, abril 01, 2004
CUSTA ESSE TANTO
por João do Papel
Traduzi uma canção que amo, depois de ter a cabeça dominada por ela durante boa dose do dia. O autor, George Harrison, era um poeta da melhor qualidade -- escreveu durante toda vida sobre um único tema, sem nunca se esgotar. O assunto é a auto-realização, ou aquilo que os psicanalistas não querem que seus pacientes entendam, porque significaria o fim das dispendiosas consultas, i.e., prejuízo. Mas também pode ser uma canção de amor, ou uma carta para Deus. Respire fundo. E tire você sua conclusão.
Shanti,
M.
Custa esse tanto
E o brilho está aparecendo
E você abre os olhos
Porque há orvalho na madrugada de mais um santo dia
Seu sorriso voltou
E se não é qualquer coisa que vai falar,
Só não pare pela metade
(Já que eles se encheram de expectativas,
Vão se decepcionar, porque o melhor virá)
Custa esse tanto (estamos falando disso)
Então serei forte (é disso que precisa)
Não quero ficar com cara de bobo
Se custa esse tanto
Chego bem perto (custa esse tanto)
Da porta entreaberta (esse tanto)
Eu quero é ter certeza
Que custa esse tanto
E agora brilha que é uma beleza
E você olha pra dentro da terra prometida
Nem pense em dar pra trás
Se temos que ficar neste mundo pra sempre, oh-oh
Então vamos apostar logo tudo, oh-oh
Custa esse tanto (estamos falando disso)
Então serei forte (é disso que precisa)
Não quero ficar com cara de babaca
Se custa esse tanto
Chego bem perto (custa esse tanto)
Da porta entreaberta (esse tanto)
Eu quero é ter certeza
Que custa esse tanto
* * *
That's What It Takes
George Harrison
And now it begins to shine
And you found the eyes to see
Each little drop at dawn of ev'ry day
Your smile, it comes back to me
And whatever you may say
Don't let it stop, never fade away
As we got to get out in this world together, oh
Doesn't really matter if we start to make some changes, oh
If that's what it takes (that's what it takes)
Then I've got to be strong (that's what it takes)
Don't want to be wrong
If that's what it takes
The closer I get (that's what it takes)
Into that open door (what it takes)
I've got to be sure
If that's what it takes
And now that it's shining through
And you can see all this world
Don't let it stop, never fade away
If we got to be in this life forever, oh-oh
Then we'd better be taking all the chances, oh oh
If that's what it takes (that's what it takes)
Then I've got to be strong (that's what it takes)
Don't want to be wrong
If that's what it takes
The closer I get (that's what it takes)
Into that open door (what it takes)
I've got to be sure
If that's what it takes
That's what it takes, that's what it takes
That's what it takes, that's what it takes
(That's) what it takes, that's what it takes
That's what it takes, (that's) what it takes
That's what it takes, oh, that's what it takes
(repeat and fade:)
Oh, that's what it takes
por João do Papel
Traduzi uma canção que amo, depois de ter a cabeça dominada por ela durante boa dose do dia. O autor, George Harrison, era um poeta da melhor qualidade -- escreveu durante toda vida sobre um único tema, sem nunca se esgotar. O assunto é a auto-realização, ou aquilo que os psicanalistas não querem que seus pacientes entendam, porque significaria o fim das dispendiosas consultas, i.e., prejuízo. Mas também pode ser uma canção de amor, ou uma carta para Deus. Respire fundo. E tire você sua conclusão.
Shanti,
M.
Custa esse tanto
E o brilho está aparecendo
E você abre os olhos
Porque há orvalho na madrugada de mais um santo dia
Seu sorriso voltou
E se não é qualquer coisa que vai falar,
Só não pare pela metade
(Já que eles se encheram de expectativas,
Vão se decepcionar, porque o melhor virá)
Custa esse tanto (estamos falando disso)
Então serei forte (é disso que precisa)
Não quero ficar com cara de bobo
Se custa esse tanto
Chego bem perto (custa esse tanto)
Da porta entreaberta (esse tanto)
Eu quero é ter certeza
Que custa esse tanto
E agora brilha que é uma beleza
E você olha pra dentro da terra prometida
Nem pense em dar pra trás
Se temos que ficar neste mundo pra sempre, oh-oh
Então vamos apostar logo tudo, oh-oh
Custa esse tanto (estamos falando disso)
Então serei forte (é disso que precisa)
Não quero ficar com cara de babaca
Se custa esse tanto
Chego bem perto (custa esse tanto)
Da porta entreaberta (esse tanto)
Eu quero é ter certeza
Que custa esse tanto
* * *
That's What It Takes
George Harrison
And now it begins to shine
And you found the eyes to see
Each little drop at dawn of ev'ry day
Your smile, it comes back to me
And whatever you may say
Don't let it stop, never fade away
As we got to get out in this world together, oh
Doesn't really matter if we start to make some changes, oh
If that's what it takes (that's what it takes)
Then I've got to be strong (that's what it takes)
Don't want to be wrong
If that's what it takes
The closer I get (that's what it takes)
Into that open door (what it takes)
I've got to be sure
If that's what it takes
And now that it's shining through
And you can see all this world
Don't let it stop, never fade away
If we got to be in this life forever, oh-oh
Then we'd better be taking all the chances, oh oh
If that's what it takes (that's what it takes)
Then I've got to be strong (that's what it takes)
Don't want to be wrong
If that's what it takes
The closer I get (that's what it takes)
Into that open door (what it takes)
I've got to be sure
If that's what it takes
That's what it takes, that's what it takes
That's what it takes, that's what it takes
(That's) what it takes, that's what it takes
That's what it takes, (that's) what it takes
That's what it takes, oh, that's what it takes
(repeat and fade:)
Oh, that's what it takes
12:36 AM
quarta-feira, março 31, 2004
CATARINA
por Adalberto Silva
Fui nocauteado por uma tremenda gripe. Caí em febre, fiquei prostrado na cama, com a boca seca, o corpo tomado de dores, os olhos vermelhos e lacrimejantes.
De tão forte, apelidei a moléstia de Catarina, em homenagem ao furacão que visitou o litoral sul do País. Se não me engano, essa é a primeira catarina a me ter assim, intimamente, tomar as minhas vias respiratórias, ir para a cama comigo e causar-me suores noturnos.
Por causa dela simplifiquei drasticamente o meu espectro de pensamentos. Não tinha cabeça para pensar na falta de emprego e de dinheiro, nem para ler ou produzir um texto. Só pensava em ficar bom, voltar a respirar normalmente, sentir o gosto dos alimentos, dormir tarde e sem camisa, sair na rua. Mas não reclamava da moléstia. É coisa da natureza, inevitável, pensei, confiante nos meus anticorpos.
Sinto que a Catarina está indo embora. Não deixará saudades. Esperto que sou, vou contribuir ao máximo para que ela vá e não volte logo. Vou tomar antitérmico, analgésico, chá de alho e limão, leite quente com chocolate. E dormirei cedo e com camisa, louco para voltar às minhas preocupações mesquinhas.
por Adalberto Silva
Fui nocauteado por uma tremenda gripe. Caí em febre, fiquei prostrado na cama, com a boca seca, o corpo tomado de dores, os olhos vermelhos e lacrimejantes.
De tão forte, apelidei a moléstia de Catarina, em homenagem ao furacão que visitou o litoral sul do País. Se não me engano, essa é a primeira catarina a me ter assim, intimamente, tomar as minhas vias respiratórias, ir para a cama comigo e causar-me suores noturnos.
Por causa dela simplifiquei drasticamente o meu espectro de pensamentos. Não tinha cabeça para pensar na falta de emprego e de dinheiro, nem para ler ou produzir um texto. Só pensava em ficar bom, voltar a respirar normalmente, sentir o gosto dos alimentos, dormir tarde e sem camisa, sair na rua. Mas não reclamava da moléstia. É coisa da natureza, inevitável, pensei, confiante nos meus anticorpos.
Sinto que a Catarina está indo embora. Não deixará saudades. Esperto que sou, vou contribuir ao máximo para que ela vá e não volte logo. Vou tomar antitérmico, analgésico, chá de alho e limão, leite quente com chocolate. E dormirei cedo e com camisa, louco para voltar às minhas preocupações mesquinhas.
8:31 PM
terça-feira, março 30, 2004
O SEGUNDO TIME
por João do Papel
A história é simples. Chico Bento vem vindo da escola com a cabeça baixa, traz nas mãos um papel que parece desconfotável. É a última prova de matemática, zerada. Se fizer mal a recuperação, leva bomba e perde a andada da turma. (Sua classe é a mesma desde a década de 60. Reprovam juntos ou o universo das histórias em quadrinhos está congelado no tempo, os garotos não crescem, não mudam de voz, as meninas não ganham formas sinuosas para infernizar a vida dos garotos...) A mãe, terapeuta de primeira, diz que conhece uma simpatia. De acordo com a crença, basta escrever dez vezes em folhas diferentes a lição, levar até uma encruzilhada e atear fogo repetindo a palavra mágica (como faz 15 anos que li, asseguro que posso estar enganado na recontagem dos fatos). Depois de virar a noite fazendo tal serviço, Chico está confiante. Corre tudo bem e, no final, o menino sai da escola dando cambalhotas, porque é um 10 que tem em mãos.
Fim? Agora que fica bom de verdade. A "câmera" se afasta daquele Chico Bento que dá cambalhotas e revela um garoto, no ambiente urbano de uma sala de estar, segurando a revistinha do Chico Bento. Na verdade, o que acabamos de ler não é uma história do Chico Bento, mas a história de um menino lendo uma historinha do Chico Bento. Entendeu?
O garoto da cidade tem o mesmo problema do herói -- zerou uma prova e está em risco de perder a companhia dos amigos. A seqüência natural é ele repetir a simpatia, buscando resultado parecido -- a cambalhota, o 10 salvador. Pois bem. Apanha a lição, leva até uma casa de fotocópias, tira dez delas e, num cruzamento movimentado, provoca estranhamento ao queimar o material xerocado. Vai para a escola, faz o teste. Apreensão. Resutado inverso: o guri de apartamento não repete o êxito de Chico Bento. Tira um zero mais redondo que o primeiro.
Essa historinha me ensinou mais das sutilezas da arte que qualquer outra leitura. Paulo Francis disse que para ele foi Crime e Castigo. Outros podem citar Shakespeare, Stendhal, gênios inquestionáveis, mas fico mesmo com o redator da Maurício de Souza Produções, roteirista se preferir, que escreveu esse texto sensível e delicado, para uma daquelas historinhas ingnificantes que vêm depois da primeira, com desenhistas de segunda, arte-finalistas de segunda, enfim -- o texto que mais mexeu comigo até hoje foi uma obra de segundo escalão. Além de tudo é uma coisa bem brasileira, isso de o segundo time ter momentos mais brilhantes que o primeiro.
por João do Papel
A história é simples. Chico Bento vem vindo da escola com a cabeça baixa, traz nas mãos um papel que parece desconfotável. É a última prova de matemática, zerada. Se fizer mal a recuperação, leva bomba e perde a andada da turma. (Sua classe é a mesma desde a década de 60. Reprovam juntos ou o universo das histórias em quadrinhos está congelado no tempo, os garotos não crescem, não mudam de voz, as meninas não ganham formas sinuosas para infernizar a vida dos garotos...) A mãe, terapeuta de primeira, diz que conhece uma simpatia. De acordo com a crença, basta escrever dez vezes em folhas diferentes a lição, levar até uma encruzilhada e atear fogo repetindo a palavra mágica (como faz 15 anos que li, asseguro que posso estar enganado na recontagem dos fatos). Depois de virar a noite fazendo tal serviço, Chico está confiante. Corre tudo bem e, no final, o menino sai da escola dando cambalhotas, porque é um 10 que tem em mãos.
Fim? Agora que fica bom de verdade. A "câmera" se afasta daquele Chico Bento que dá cambalhotas e revela um garoto, no ambiente urbano de uma sala de estar, segurando a revistinha do Chico Bento. Na verdade, o que acabamos de ler não é uma história do Chico Bento, mas a história de um menino lendo uma historinha do Chico Bento. Entendeu?
O garoto da cidade tem o mesmo problema do herói -- zerou uma prova e está em risco de perder a companhia dos amigos. A seqüência natural é ele repetir a simpatia, buscando resultado parecido -- a cambalhota, o 10 salvador. Pois bem. Apanha a lição, leva até uma casa de fotocópias, tira dez delas e, num cruzamento movimentado, provoca estranhamento ao queimar o material xerocado. Vai para a escola, faz o teste. Apreensão. Resutado inverso: o guri de apartamento não repete o êxito de Chico Bento. Tira um zero mais redondo que o primeiro.
Essa historinha me ensinou mais das sutilezas da arte que qualquer outra leitura. Paulo Francis disse que para ele foi Crime e Castigo. Outros podem citar Shakespeare, Stendhal, gênios inquestionáveis, mas fico mesmo com o redator da Maurício de Souza Produções, roteirista se preferir, que escreveu esse texto sensível e delicado, para uma daquelas historinhas ingnificantes que vêm depois da primeira, com desenhistas de segunda, arte-finalistas de segunda, enfim -- o texto que mais mexeu comigo até hoje foi uma obra de segundo escalão. Além de tudo é uma coisa bem brasileira, isso de o segundo time ter momentos mais brilhantes que o primeiro.
9:59 PM
CARTA QUE NUNCA FOI ENVIADA
por João do Papel
Encontrei esta carta vadiando na mais remota esquina do meu HD. O arquivo é de 2000, e nem eu sei muito bem sobre o que é.
Oi menina,
A vida é chata com algumas pessoas. Pode ter certeza de que falo sério, meio sério. Mas minha vontade agora é cantar, louvar-lhe em versos justos, justíssimos, mostrar a admiração que tenho.
Sempre que faço, lembro de sua presença com uma ternura incontrolável. Somos lindos amigos, miseráveis no coração, sofridos assim por vontade própria (você mais que eu, devo admitir). Entendo sua melancolia, por isso acabo adotando a tristeza.
Meu carinho por você é confortável, me faz homem grande com frio na barriga. Faz achar que estou apaixonado por você, veja só. Pensei bastante sobre tudo, sobre toda a situação. Achei resposta: não sei ao certo o que é, mas não é simples.
Sinto vontade de estar em uma sala perfumada, vazia a não ser por você e seus braços. Lá estaria, pensando em minha vida, na vida dos outros, na vida das plantas, teria paz para pensar na vida das rochas milenares, entenderia tudo, inclusive o moço por quem suspiras.
Não, não estou apaixonado por você. Não quero seu corpo, não quero seus beijos, apenas seu colo. Quero você ao meu lado. Quero que você me ame, porque te amo. E porque estou confuso.
Agora pense nisso, acenda um cigarro e escreva uma resposta.
Sinceramente seu,
M.
por João do Papel
Encontrei esta carta vadiando na mais remota esquina do meu HD. O arquivo é de 2000, e nem eu sei muito bem sobre o que é.
Oi menina,
A vida é chata com algumas pessoas. Pode ter certeza de que falo sério, meio sério. Mas minha vontade agora é cantar, louvar-lhe em versos justos, justíssimos, mostrar a admiração que tenho.
Sempre que faço, lembro de sua presença com uma ternura incontrolável. Somos lindos amigos, miseráveis no coração, sofridos assim por vontade própria (você mais que eu, devo admitir). Entendo sua melancolia, por isso acabo adotando a tristeza.
Meu carinho por você é confortável, me faz homem grande com frio na barriga. Faz achar que estou apaixonado por você, veja só. Pensei bastante sobre tudo, sobre toda a situação. Achei resposta: não sei ao certo o que é, mas não é simples.
Sinto vontade de estar em uma sala perfumada, vazia a não ser por você e seus braços. Lá estaria, pensando em minha vida, na vida dos outros, na vida das plantas, teria paz para pensar na vida das rochas milenares, entenderia tudo, inclusive o moço por quem suspiras.
Não, não estou apaixonado por você. Não quero seu corpo, não quero seus beijos, apenas seu colo. Quero você ao meu lado. Quero que você me ame, porque te amo. E porque estou confuso.
Agora pense nisso, acenda um cigarro e escreva uma resposta.
Sinceramente seu,
M.
12:20 AM
segunda-feira, março 29, 2004
O MEDO DO ARTILHEIRO DIANTE DO PÊNALTI
por Adalberto Silva
O jogo daquela quarta-feira calorenta era decisivo para o nosso herói. Só uma vitória livraria o seu time da terceira divisão do campeonato brasileiro. Uma vitória simples, jogando em casa contra uma equipe do interior gaúcho que cumpria tabela, cansada depois da viagem de ônibus e desfalcada do principal jogador.
Pena que nosso herói, artilheiro do time, está espiritualmente distante do jogo. Sente medo, sente raiva, tem vontade de tirar o uniforme e fugir do estádio.
Ainda assim ele entra em campo. Sem fogos, sem crianças de mãos dadas, recepcionado por uns 10 torcedores e uma débil batucada. Toca com as mãos a grama ressequida, arranca um pequeno ramo e coloca-o entre a caneleira e a meia da perna direita. É pra dar sorte.
O artilheiro olha para a torcida, um bando de velhos bêbados e desocupados, e sente asco. Repudia a obrigação de dar alegria a uns sujeitos entupidos de cerveja, que só estão ali por não agüentarem suas esposas rabugentas. Ele queria mais. Sonhava, como seus colegas, jogar em clube grande e quem sabe chegar à seleção. Agora, aos 29 anos, não tem mais ambições. Só pensa em fazer um gol, livrar o time do rebaixamento, dirigir o carro modesto até a casa e dormir.
Começa o jogo. O herói, disperso, se aproveita da condição de centroavante e some do jogo, das disputas de bola, das arrancadas. Prefere pensar nas expectativas dos pais, irmãos, cunhados, vorazes por um quinhão do dinheiro e da fama que ele poderia conquistar. Lembra-se do churrasco oferecido por um tio sovina quando foi convidado para jogar nos juniores do Vasco da Gama. E do desprezo quando foi dispensado, meses depois.
Nosso herói está frustrado por não ter sido o herói da sua família. Sente a alma doer, doer mais que o joelho esfolado pelo campo esturricado. Penalidade máxima.
Ele se levanta e prepara a cobrança. Olha para o goleiro, um grandalhão loiro, toma distância e treme. Nem passa pela sua cabeça que o goleiro é tão miserável quanto ele e também calça chuteiras da temporada passada. O herói, aflito, não vê gol, arquibancada vazia, adversários ou companheiros de equipe. Só vê o olhar esperançoso da mãe, sempre certa de que no próximo contrato do filho ganhará a casa dos sonhos, grande e com piscina. A velha humilde e meiga ainda está lá quando o juiz autoriza a cobrança do penal.
A bola, no canto oposto do goleiro, sobe e bate no alambrado. Zero a zero é o placar final. Nosso herói ainda ouve alguém chamá-lo de filho da puta, antes de desabar aos prantos no vestiário.
por Adalberto Silva
O jogo daquela quarta-feira calorenta era decisivo para o nosso herói. Só uma vitória livraria o seu time da terceira divisão do campeonato brasileiro. Uma vitória simples, jogando em casa contra uma equipe do interior gaúcho que cumpria tabela, cansada depois da viagem de ônibus e desfalcada do principal jogador.
Pena que nosso herói, artilheiro do time, está espiritualmente distante do jogo. Sente medo, sente raiva, tem vontade de tirar o uniforme e fugir do estádio.
Ainda assim ele entra em campo. Sem fogos, sem crianças de mãos dadas, recepcionado por uns 10 torcedores e uma débil batucada. Toca com as mãos a grama ressequida, arranca um pequeno ramo e coloca-o entre a caneleira e a meia da perna direita. É pra dar sorte.
O artilheiro olha para a torcida, um bando de velhos bêbados e desocupados, e sente asco. Repudia a obrigação de dar alegria a uns sujeitos entupidos de cerveja, que só estão ali por não agüentarem suas esposas rabugentas. Ele queria mais. Sonhava, como seus colegas, jogar em clube grande e quem sabe chegar à seleção. Agora, aos 29 anos, não tem mais ambições. Só pensa em fazer um gol, livrar o time do rebaixamento, dirigir o carro modesto até a casa e dormir.
Começa o jogo. O herói, disperso, se aproveita da condição de centroavante e some do jogo, das disputas de bola, das arrancadas. Prefere pensar nas expectativas dos pais, irmãos, cunhados, vorazes por um quinhão do dinheiro e da fama que ele poderia conquistar. Lembra-se do churrasco oferecido por um tio sovina quando foi convidado para jogar nos juniores do Vasco da Gama. E do desprezo quando foi dispensado, meses depois.
Nosso herói está frustrado por não ter sido o herói da sua família. Sente a alma doer, doer mais que o joelho esfolado pelo campo esturricado. Penalidade máxima.
Ele se levanta e prepara a cobrança. Olha para o goleiro, um grandalhão loiro, toma distância e treme. Nem passa pela sua cabeça que o goleiro é tão miserável quanto ele e também calça chuteiras da temporada passada. O herói, aflito, não vê gol, arquibancada vazia, adversários ou companheiros de equipe. Só vê o olhar esperançoso da mãe, sempre certa de que no próximo contrato do filho ganhará a casa dos sonhos, grande e com piscina. A velha humilde e meiga ainda está lá quando o juiz autoriza a cobrança do penal.
A bola, no canto oposto do goleiro, sobe e bate no alambrado. Zero a zero é o placar final. Nosso herói ainda ouve alguém chamá-lo de filho da puta, antes de desabar aos prantos no vestiário.
11:59 PM
domingo, março 28, 2004
FAQ
Quem somos?
Marcos Antonio Sacramento (Adalberto Silva) e Marcelo Zorzanelli Ferri (João do Papel). Dois escritores baratos.
O que queremos?
Somos preguiçosos. Com o compromisso do blog, ficamos mais espertos então produzimos mais. Qual é o compromisso do blog? Olhe mais abaixo.
O compromisso do blog:
Duas crônicas diárias -- uma de cada autor. O target: tentar diariamente atingir a crônica de maior qualidade já realizada por cada um.
O que queremos com isso?
Exercitar a escrita, e, mais importante, ganhar o mundo, i.e., receber convites para escrever por aí. Com remuneração.
Que nome é esse?
O nome não quer dizer nada. Talvez -- eu disse talvez -- uma homenagem ao seriado Chaves e ao folclore nacional. Mas a associação das duas palavras não quer dizer rigorosamente nada.
Quem somos?
Marcos Antonio Sacramento (Adalberto Silva) e Marcelo Zorzanelli Ferri (João do Papel). Dois escritores baratos.
O que queremos?
Somos preguiçosos. Com o compromisso do blog, ficamos mais espertos então produzimos mais. Qual é o compromisso do blog? Olhe mais abaixo.
O compromisso do blog:
Duas crônicas diárias -- uma de cada autor. O target: tentar diariamente atingir a crônica de maior qualidade já realizada por cada um.
O que queremos com isso?
Exercitar a escrita, e, mais importante, ganhar o mundo, i.e., receber convites para escrever por aí. Com remuneração.
Que nome é esse?
O nome não quer dizer nada. Talvez -- eu disse talvez -- uma homenagem ao seriado Chaves e ao folclore nacional. Mas a associação das duas palavras não quer dizer rigorosamente nada.
9:36 PM
SEXO
por João do Papel
PREÂMBULO: Sexo bom eleva o espírito porque é o destino do amor entre um homem e uma mulher; mas também é a trágica humilhação do espírito, a prova de que somos acorrentados ao mundo material e à satisfação dos sentidos.
A língua dela cola no céu da minha boca como um punhado de farinha seca. Depois a minha passeia pela flor de seu pescoço, e sinto os arrepios que sentia o Velho Braga, quando perguntava quantas guerras, quantas rudezas não custou à raça humana chegar até a perfeição da curva deste pescoço, deste colo, da disposição do arquipélago de pintas. Respiro a pele macia dos seios, o movimento suave dos braços, o aperto da mão delicada. Não há muito o que dizer. Os olhos de lápis preto manchados pelo suor, o cabelo despenteado, o vapor do corpo dela subindo pelo meu sangue, indo para a cabeça. Fixo com o olhar um ponto perdido na parede e me concentro no sabor de sua nuca.
O sangue brinca de subir e descer, a mente está leve feito algodão doce. Meus olhos ficam claros, como se as nuvens pesadas fossem afastadas por uma jogada do vento sul. Vejo a maravilha que a natureza preparou para sua própria multiplicação. Aprecio com calma o segredo das pintas na coxa, procuro um padrão que decifre o mistério da criação. Acaricio meu amor com as mãos que uso para trabalhar, assim como falo coisas bonitas com a mente que uso para trabalhar. De uma certa maneira, estou trabalhando.
Em qualquer outro ramo de ativididade humana, a repetição é persona non grata. Jogue fora o livro que insere o mesmo parágrafo eternamente, apesar de escrito em palavras diferentes (reserve um bom tempo, porque são muitos estes livros). Ignore a canção sem notação, quando um tipo de som é tocado sem sabor. Mas não recomendo nunca o mesmo para o sexo. Aqui a repetição é muito bem-vinda, amada. A repetição está para o sexo como a genialidade está para a loucura. Ela também é bem-vinda na poesia de Jards Macalé, na forma de verbos conjugados na musical terceira pessoa:
Frases desesperadas lençóis
Onde me ama
Furiosas garras
Meu amor me agarra & geme & treme & chora & mata
Belos versos, aos que eu ajuntaria, com a humildade necessária, um contraponto telúrico:
E acabamos os dois, encapados de suor.
por João do Papel
PREÂMBULO: Sexo bom eleva o espírito porque é o destino do amor entre um homem e uma mulher; mas também é a trágica humilhação do espírito, a prova de que somos acorrentados ao mundo material e à satisfação dos sentidos.
A língua dela cola no céu da minha boca como um punhado de farinha seca. Depois a minha passeia pela flor de seu pescoço, e sinto os arrepios que sentia o Velho Braga, quando perguntava quantas guerras, quantas rudezas não custou à raça humana chegar até a perfeição da curva deste pescoço, deste colo, da disposição do arquipélago de pintas. Respiro a pele macia dos seios, o movimento suave dos braços, o aperto da mão delicada. Não há muito o que dizer. Os olhos de lápis preto manchados pelo suor, o cabelo despenteado, o vapor do corpo dela subindo pelo meu sangue, indo para a cabeça. Fixo com o olhar um ponto perdido na parede e me concentro no sabor de sua nuca.
O sangue brinca de subir e descer, a mente está leve feito algodão doce. Meus olhos ficam claros, como se as nuvens pesadas fossem afastadas por uma jogada do vento sul. Vejo a maravilha que a natureza preparou para sua própria multiplicação. Aprecio com calma o segredo das pintas na coxa, procuro um padrão que decifre o mistério da criação. Acaricio meu amor com as mãos que uso para trabalhar, assim como falo coisas bonitas com a mente que uso para trabalhar. De uma certa maneira, estou trabalhando.
Em qualquer outro ramo de ativididade humana, a repetição é persona non grata. Jogue fora o livro que insere o mesmo parágrafo eternamente, apesar de escrito em palavras diferentes (reserve um bom tempo, porque são muitos estes livros). Ignore a canção sem notação, quando um tipo de som é tocado sem sabor. Mas não recomendo nunca o mesmo para o sexo. Aqui a repetição é muito bem-vinda, amada. A repetição está para o sexo como a genialidade está para a loucura. Ela também é bem-vinda na poesia de Jards Macalé, na forma de verbos conjugados na musical terceira pessoa:
Frases desesperadas lençóis
Onde me ama
Furiosas garras
Meu amor me agarra & geme & treme & chora & mata
Belos versos, aos que eu ajuntaria, com a humildade necessária, um contraponto telúrico:
E acabamos os dois, encapados de suor.
6:37 PM