domingo, maio 02, 2004
DIRIJA COM CUIDADO
por João do Papel
Custa dizer que não tenho carteira de motorista. Você não imagina, seu guarda, o que se passa comigo quando vejo o senhor pelo canto do olho; sobe um arrepio da ponta do pé, é gelado, duas mãos frias torcendo alguma coisa dentro da garganta, como se torce um pano de chão. Eu vi, digo, eu vejo a batida, porque tinha uma velha e ela freiou forte no amarelo, não deu tempo, porrou mesmo, e como sei que quem bate atrás está errado... só penso um palavrão bem sujo e soletro ele com gosto, mentalmente, claro, porque tenho educação. É só fechar os olhos que eu vejo tudo isso, mas não é bom fechar, o senhor sabe, pode acontecer alguma coisa, mexer no CD Player então, que pecado, distrair-se com os botões, ainda mais eu, que sempre confundo o volume com aquele que muda de faixa. A vovó do carro da frente bateu o peito no volante e já saiu do carro, diz que lhe falta o ar, curvada e com a mão nas cadeiras; de repente a rua pára, todo mundo olhando para ela com cara de preocupado, depois para mim com cara de "seu moleque irresponsável, playboy filho de uma...". Seu guarda, espera que essa curva é perigosa... opa, opa... então, seu guarda, você não imagina o que é não ter habilitação para dirigir, e ter uma imaginação razoável, ao mesmo tempo. Quando um colega do senhor aparece de viatura e está queimando combustível como quem não quer nada, aquilo que se chama "ronda", eu sempre acho que ele está piscando farol para mim, pedindo que eu encoste. É assustador. Mas eu adoro. E nunca fui pego. Viu, seu guarda? Nunca colocaram a mão em mim, também porque dirijo bem. Se você me pára um dia, vou dizer que sou motorista prático, como os dentistas, não tem? Alguma lei, dentre esses inúmeros e absurdos textos que o legislativo brasileiro vota e aprova, há de me proteger. Mas se mesmo assim o senhor abrir o coldre e sacar o bloco de multa, ou passar a mão no rádio para chamar a viatura que efetuará a prisão, eu sempre levo comigo tutu o bastante para tomar uma cervejinha. Combinado?
por João do Papel
Custa dizer que não tenho carteira de motorista. Você não imagina, seu guarda, o que se passa comigo quando vejo o senhor pelo canto do olho; sobe um arrepio da ponta do pé, é gelado, duas mãos frias torcendo alguma coisa dentro da garganta, como se torce um pano de chão. Eu vi, digo, eu vejo a batida, porque tinha uma velha e ela freiou forte no amarelo, não deu tempo, porrou mesmo, e como sei que quem bate atrás está errado... só penso um palavrão bem sujo e soletro ele com gosto, mentalmente, claro, porque tenho educação. É só fechar os olhos que eu vejo tudo isso, mas não é bom fechar, o senhor sabe, pode acontecer alguma coisa, mexer no CD Player então, que pecado, distrair-se com os botões, ainda mais eu, que sempre confundo o volume com aquele que muda de faixa. A vovó do carro da frente bateu o peito no volante e já saiu do carro, diz que lhe falta o ar, curvada e com a mão nas cadeiras; de repente a rua pára, todo mundo olhando para ela com cara de preocupado, depois para mim com cara de "seu moleque irresponsável, playboy filho de uma...". Seu guarda, espera que essa curva é perigosa... opa, opa... então, seu guarda, você não imagina o que é não ter habilitação para dirigir, e ter uma imaginação razoável, ao mesmo tempo. Quando um colega do senhor aparece de viatura e está queimando combustível como quem não quer nada, aquilo que se chama "ronda", eu sempre acho que ele está piscando farol para mim, pedindo que eu encoste. É assustador. Mas eu adoro. E nunca fui pego. Viu, seu guarda? Nunca colocaram a mão em mim, também porque dirijo bem. Se você me pára um dia, vou dizer que sou motorista prático, como os dentistas, não tem? Alguma lei, dentre esses inúmeros e absurdos textos que o legislativo brasileiro vota e aprova, há de me proteger. Mas se mesmo assim o senhor abrir o coldre e sacar o bloco de multa, ou passar a mão no rádio para chamar a viatura que efetuará a prisão, eu sempre levo comigo tutu o bastante para tomar uma cervejinha. Combinado?
11:20 PM