sábado, maio 22, 2004
BOLEIRO
por Adalberto Silva
É só um sonho. Sonho de menino boleiro, colecionador de álbum de figurinhas. Sonho que me persegue, entranhado na massa encefálica e cercado de outras utopias menos grandiosas: dinheiro, carros esportivos, mais dinheiro, viagens aos exterior, partidas de golfe, Mônaco, Viena, ações na Bolsa. É o brasileiríssimo sonho de ser jogador de futebol. No meu caso, de jogar no time de coração, o Fluminense. Fecho os olhos e deixo a fantasia me guiar. Quarta-feira chuvosa, final da Libertadores da América. O adversário, não importa qual. Na verdade, nem o torneio importa quando estamos sonhando.
Estou no banco de reservas, sentado à direita do professor Telê. Vejo os meu companheiros, vestidos com o uniforme número um (não da Adidas e sim da Le Cock), entrarem no gramado do Maracanã de mãos dadas com os mascotes, pequenos tricolores deslumbrados com as cores e os cantos da torcida.
“Neeeense!”, gritam os irmãos das arquibancadas e gerais. Quero jogar, mas aceito a condição de reserva. Não um reserva qualquer e sim membro de um time platônico, ideal, a minha seleção particular, questionável, mas definitiva. O goleiro é o Ricardo Pinto, que eu muitas vezes encarnei nas peladas da infância. Na lateral-direita Paulo César, que eu vi jogar, barra o absoluto Carlos Alberto. A dupla de zaga Ricardo Gomes e Alexandre Torres junta-se ao lateral Branco e completa a defesa. No meio campo, Marcão atropela as anacronias e joga ao lado de Edinho, improvisado, de Romerito e Roger. No ataque, Magno Alves (sim, ele mesmo) forma dupla incendiária com Super-Ézio.
O jogo é duro. O adversário tem a vantagem do empate e sabe usá-la. Defende-se bem e não economiza pancadas. Roger tenta furar o bloqueio. Dribla um, outro e é derrubado. Romerito faz o mesmo e também apanha. Ézio, isolado na área, nada pode fazer. PC usa a habilidade e ganha uma cotovelada, que o juiz não vê. Segundo tempo. Trinta minutos jogados. Um contra-ataque, atacante na cara de Ricardo Pinto, chute indefensável. Gol. Estádio mudo. A equipe da Paz, Esperança e do Vigor não se abala. Luta, sua, sangra e marca, com Super-Ézio de cabeça, após cruzamento perfeito de Paulo César.
Faltam três minutos para o fim do jogo. Magno Alves sai machucado. Alguns torcedores voltam para casa. Telê olha pra mim e aponta para o campo. “A benção, João de Deus”. A torcida tem fé. Quem sabe aquele jogador veterano e desacreditado salve o time.
Reposição de bola. Ricardo toca para Torres, que passa para Ricardo Gomes. De peito estufado, ele avança e deixa com PC. Sem opção para furar o bloqueio defensivo, ele inverte de trivela para Branco. O lateral dribla um, protege com o corpo e recua para Marcão, que toca de primeira para Edinho. Ele deixa com Romerito, que arranca, escapa da falta e encontra Roger na entrada da grande área. Com um drible, Roger tira dois da jogada e corre para a linha de fundo. Cruza para Ézio, que chuta forte. A bola explode no travessão e cai junto a mim. Mato no peito, corto seco para a esquerda e chuto de canhota, de bico. É o gol do título.
A torcida grita, as bandeiras verdes, grenás e brancas tremulam alegremente e eu abro meus olhos, contente.
por Adalberto Silva
É só um sonho. Sonho de menino boleiro, colecionador de álbum de figurinhas. Sonho que me persegue, entranhado na massa encefálica e cercado de outras utopias menos grandiosas: dinheiro, carros esportivos, mais dinheiro, viagens aos exterior, partidas de golfe, Mônaco, Viena, ações na Bolsa. É o brasileiríssimo sonho de ser jogador de futebol. No meu caso, de jogar no time de coração, o Fluminense. Fecho os olhos e deixo a fantasia me guiar. Quarta-feira chuvosa, final da Libertadores da América. O adversário, não importa qual. Na verdade, nem o torneio importa quando estamos sonhando.
Estou no banco de reservas, sentado à direita do professor Telê. Vejo os meu companheiros, vestidos com o uniforme número um (não da Adidas e sim da Le Cock), entrarem no gramado do Maracanã de mãos dadas com os mascotes, pequenos tricolores deslumbrados com as cores e os cantos da torcida.
“Neeeense!”, gritam os irmãos das arquibancadas e gerais. Quero jogar, mas aceito a condição de reserva. Não um reserva qualquer e sim membro de um time platônico, ideal, a minha seleção particular, questionável, mas definitiva. O goleiro é o Ricardo Pinto, que eu muitas vezes encarnei nas peladas da infância. Na lateral-direita Paulo César, que eu vi jogar, barra o absoluto Carlos Alberto. A dupla de zaga Ricardo Gomes e Alexandre Torres junta-se ao lateral Branco e completa a defesa. No meio campo, Marcão atropela as anacronias e joga ao lado de Edinho, improvisado, de Romerito e Roger. No ataque, Magno Alves (sim, ele mesmo) forma dupla incendiária com Super-Ézio.
O jogo é duro. O adversário tem a vantagem do empate e sabe usá-la. Defende-se bem e não economiza pancadas. Roger tenta furar o bloqueio. Dribla um, outro e é derrubado. Romerito faz o mesmo e também apanha. Ézio, isolado na área, nada pode fazer. PC usa a habilidade e ganha uma cotovelada, que o juiz não vê. Segundo tempo. Trinta minutos jogados. Um contra-ataque, atacante na cara de Ricardo Pinto, chute indefensável. Gol. Estádio mudo. A equipe da Paz, Esperança e do Vigor não se abala. Luta, sua, sangra e marca, com Super-Ézio de cabeça, após cruzamento perfeito de Paulo César.
Faltam três minutos para o fim do jogo. Magno Alves sai machucado. Alguns torcedores voltam para casa. Telê olha pra mim e aponta para o campo. “A benção, João de Deus”. A torcida tem fé. Quem sabe aquele jogador veterano e desacreditado salve o time.
Reposição de bola. Ricardo toca para Torres, que passa para Ricardo Gomes. De peito estufado, ele avança e deixa com PC. Sem opção para furar o bloqueio defensivo, ele inverte de trivela para Branco. O lateral dribla um, protege com o corpo e recua para Marcão, que toca de primeira para Edinho. Ele deixa com Romerito, que arranca, escapa da falta e encontra Roger na entrada da grande área. Com um drible, Roger tira dois da jogada e corre para a linha de fundo. Cruza para Ézio, que chuta forte. A bola explode no travessão e cai junto a mim. Mato no peito, corto seco para a esquerda e chuto de canhota, de bico. É o gol do título.
A torcida grita, as bandeiras verdes, grenás e brancas tremulam alegremente e eu abro meus olhos, contente.
5:34 PM