quinta-feira, abril 29, 2004

O RASTRO DOS NAVIOS
por João do Papel


Os grandes barcos quando passam por debaixo da ponte fazem uma linha torta. Essa linha fica ali durante algum tempo, como testemunha de alguma coisa.

É uma visão que enternece, sobre a ponte, de pé no ônibus. Usando a janela suja como parapeito, levo a cabeça até um pouco além do responsável, reparo se o motorista não está no retrovisor, respiro o ar livre do alto. É um momento espiritual, estudar o rastro de hoje, compará-lo com o de ontem, adivinhar o tamanho e a velocidade do navio--porque um barco pequeno deixa um rastro tão grande quanto o do corpulento transatlântico, apenas porque tem maior velocidade. Coisas que aprendi olhando o mar sob a ponte.

A mancha que fica para trás vai sendo varrida pela maré, lenta e calmamente, como aqueles desenhos em campos de areia fina, japoneses e enlevados. Os pássaros deixam de pescar onde há o rastro. O sol incide sobre o rastro e os brilhos denunciam a substânciade de que é feito, porque o óleo dá um belo prisma, muitas cores, como a bela cauda de um pavão. O rastro dos navios é de sujeira, juntado ao redor do casco nos dias que ele fica parado no porto.

O rastro dos navios é aquela dor que deixamos, sem saber, por onde passamos.
3:59 PM
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