segunda-feira, abril 19, 2004
O CABELO DA FÁTIMA
por Adalberto Silva
Morreu ontem o desempregado que ateou fogo ao próprio corpo em Brasília. José Antônio Andrade Souza queria falar com o presidente Lula. Para isso, vendeu o barraco onde morava por R$ 800,00 e embarcou na derradeira aventura. Agora, vai virar garoto propaganda da oposição ao governo e sua família não receberá nada por isso.
O Jornal Nacional de hoje não falou sobre o assunto. A tragédia do rapaz queimado já faz parte do passado. Durante uma notícia banal sobre a crise permanente da Palestina, um detalhe no cabelo da Fátima Bernardes chamou a minha atenção. Havia uma pequena mexa desalinhada, espetada para cima. Eram poucos fios, para ser mais exato. Quase ninguém deve ter reparado.
Aquela falha no penteado perfeito da jornalista, durante a exibição do jornal mais tecnologicamente requintado da TV brasileira, me pareceu absurda, no sentido sartreano do termo. Não entendo de existencialismo, mas o que digo deve fazer sentido, se não fizer, bem, então será absurdo. Voltando ao cabelo da Fátima, fiquei a refletir na instabilidade causada pelos fios rebeldes ao andamento do noticiário. Meia dúzia de fios tentando escapar daquela cabeça careta, fugir da imagem crível e por isso destituída de sensualidade da apresentadora.
Amanhã o cabelo dela estará bem alinhado. O cabeleireiro não vai vacilar. Tudo voltará à normalidade no Jornal Nacional, sempre certinho, asséptico, pronto para mostrar a seus milhões de telespectadores tragédias estreladas por desempregados.
por Adalberto Silva
Morreu ontem o desempregado que ateou fogo ao próprio corpo em Brasília. José Antônio Andrade Souza queria falar com o presidente Lula. Para isso, vendeu o barraco onde morava por R$ 800,00 e embarcou na derradeira aventura. Agora, vai virar garoto propaganda da oposição ao governo e sua família não receberá nada por isso.
O Jornal Nacional de hoje não falou sobre o assunto. A tragédia do rapaz queimado já faz parte do passado. Durante uma notícia banal sobre a crise permanente da Palestina, um detalhe no cabelo da Fátima Bernardes chamou a minha atenção. Havia uma pequena mexa desalinhada, espetada para cima. Eram poucos fios, para ser mais exato. Quase ninguém deve ter reparado.
Aquela falha no penteado perfeito da jornalista, durante a exibição do jornal mais tecnologicamente requintado da TV brasileira, me pareceu absurda, no sentido sartreano do termo. Não entendo de existencialismo, mas o que digo deve fazer sentido, se não fizer, bem, então será absurdo. Voltando ao cabelo da Fátima, fiquei a refletir na instabilidade causada pelos fios rebeldes ao andamento do noticiário. Meia dúzia de fios tentando escapar daquela cabeça careta, fugir da imagem crível e por isso destituída de sensualidade da apresentadora.
Amanhã o cabelo dela estará bem alinhado. O cabeleireiro não vai vacilar. Tudo voltará à normalidade no Jornal Nacional, sempre certinho, asséptico, pronto para mostrar a seus milhões de telespectadores tragédias estreladas por desempregados.
11:21 PM