quarta-feira, abril 21, 2004

LIÇÃO AO ONZE ANOS
por Adalberto Silva

Gaetano e seu amigo sardento estão a postos no banquinho em frente ao prédio. Dentro de alguns minutos passará a atração principal das tardes da dupla, a morena de ancas largas, pernas musculosas, seios de atriz pornô americana e cabelos negros de índia.

Todos os dias os dois assistem, com os olhos cravados, a garota passar em direção à academia de ginástica, linda e perfumada, com toalha e garrafa d’água nas mãos. Depois brincam de supertrunfo ou bafo, discutem as performances no nintendinho e voltam ao banco de concreto para ver a musa, cansada e satisfeita, voltar para casa.

De segunda a sexta a história se repete. Jaciara, a corpulenta de 17 anos, nunca percebe a presença dos fedelhos.

O sardento tem um plano. Conta-o a Gaetano. Pretende se esconder no quarto da morena para vê-la nua. Entraria lá pendurado em algum cabo preso ao terraço do edifício. O parceiro acha a idéia genial e lembra de uma corda perdida na escada de incêndio. Ainda bem que garotos de onze anos são especialistas em traçar operações ousadas mas desistem facilmente de executá-las.

Tudo correu normalmente nos dias seguintes. A morena ia e vinha metida em trajes colantes e os dois garotos a espiá-la. Nos intervalos do desfile, pequenos vandalismos, partidas de videogame, escola, bafo, brigas, polícia e ladrão, futebol na rua, pedradas em gatos, desenho animado, heróis japoneses e outras coisas comuns ao cotidiano de meninos de onze anos. Só que algo, vindo não se sabe de onde, perturbou a alegre rotina de Gaetano como catapora contraída em férias escolares.

O moleque, coitado, passou a ter palpitações e pensamentos incessantes pela malhadora da tarde. Apaixonou-se por ela.

Seu amigo sardento e mais arteiro ri e diz que ele não tem a mínima chance, que a garota é grande e não vai dar bola a moleques pré-púberes (ele não usou este termo!!!) como eles. Gaetano discorda, afinal, vai à escola sozinho e de ônibus, lava os pratos depois do almoço e até faz serviço de banco.

Ele viu em uma revista, certa vez, algo sobre o fascínio das mulheres por flores. Descobriu, inclusive, que os homens de hoje em dia perderam o hábito de mandar flores.

Economizou durante uma semana renunciando ao lanche no recreio. Também faturou uns trocados pagando meia passagem e saltando pela porta de trás quando o cobrador deixava.

Na segunda-feira comprou um buquê de flores vermelhas. Às 17h20 estava no posto de observação, com o fiel capanga. Ela vem, passa e nem olha. Os dois vão embora, cada um para sua casa.

Gaetano toma banho e veste roupa de sair. O tênis que a mãe ainda está pagando, uma bermuda abaixo dos joelhos e camisa de estampa colorida. Não se esquece do boné e de passar perfume.

Uma hora depois ele retorna, desta vez sozinho e com flores nas mãos. Lá vem ela, rápida como sempre. Gaetano ajeita o boné e interrompe a marcha da morena. Entrega o buquê e a pede em namoro, cheio de confiança. Ela desenha um sorriso debochado nos lábios, pega as flores e as enfia entre a cabeça e o boné de Gaetano.

Sai gargalhando, os traseiros de rainha da bateria balançando ao olhos do moleque, aturdido como boxeador nocauteado. Nariz no chão do ringue, ele ouve o juiz iniciar a contagem. Vai se levantar zonzo, supercílio cortado, com uns dentes a menos e mais forte, bem mais forte.
11:47 PM
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