sexta-feira, abril 09, 2004
LENTAMENTE. . .
por João do Papel
A noite não dormi, então o dia ficou insuportável como uma quaresma modorrenta, a tarde longa e etérea, daquelas que terminam e começam a cada pensamento e duram três vezes mais que no relógio. A impressão perfeita era que ela nunca passaria, a tarde, então procurei o sono. Sonhei com quartos vazios e folhas em branco. Acordei encharcado naquele torpor que sai da cabeça e espanta o coração.
Consegui lucidez apenas enquanto ouvia as notas agudas do videogame portátil da geração passada, estridentes como um pio de coruja. A imagem da coruja perseguiu meus pensamentos e não relaxei mais, as cortinas dos olhos emperradas e perigosamente pendentes, qualquer acidente poderia fazê-las fechar para sempre, e então aprendi que nunca mais relaxaria se entendesse aquilo que estava no ar, uma quase imagem, uma frase, o som do vento passando debaixo de uma ponte, a cor da garapa na feira de sábado, o musgo forte e coeso do muro da minha escola de criança, as primeiras notas daquela fita velha do John Lennon, o olhar do meu avô desconhecido no retrato velho, as páginas desniveladas da broxura ensebada; algo grande e vistoso como as portas do paraíso, transcedental como o milagre de um poste de luz num vilarejo rural; algo muito perigoso, um pensamento denso e rústico. Talvez, se entendi alguma coisa, a certeza de que estou no caminho certo. E muito cansado.
por João do Papel
A noite não dormi, então o dia ficou insuportável como uma quaresma modorrenta, a tarde longa e etérea, daquelas que terminam e começam a cada pensamento e duram três vezes mais que no relógio. A impressão perfeita era que ela nunca passaria, a tarde, então procurei o sono. Sonhei com quartos vazios e folhas em branco. Acordei encharcado naquele torpor que sai da cabeça e espanta o coração.
Consegui lucidez apenas enquanto ouvia as notas agudas do videogame portátil da geração passada, estridentes como um pio de coruja. A imagem da coruja perseguiu meus pensamentos e não relaxei mais, as cortinas dos olhos emperradas e perigosamente pendentes, qualquer acidente poderia fazê-las fechar para sempre, e então aprendi que nunca mais relaxaria se entendesse aquilo que estava no ar, uma quase imagem, uma frase, o som do vento passando debaixo de uma ponte, a cor da garapa na feira de sábado, o musgo forte e coeso do muro da minha escola de criança, as primeiras notas daquela fita velha do John Lennon, o olhar do meu avô desconhecido no retrato velho, as páginas desniveladas da broxura ensebada; algo grande e vistoso como as portas do paraíso, transcedental como o milagre de um poste de luz num vilarejo rural; algo muito perigoso, um pensamento denso e rústico. Talvez, se entendi alguma coisa, a certeza de que estou no caminho certo. E muito cansado.
2:59 AM
