sábado, abril 03, 2004

HERÓIS DE BORRACHA
por Adalberto Silva

O menino pobre adorava brincar de guerra. Tinha seu exército particular, composto por 23 bonequinhos verdes de borracha e mais uns índios e cowboys brindes de goiabada. No seu cantinho na casa simples, era o comandante das maiores batalhas de infantaria. O chinelo virava barricada, uma almofada, colina a ser conquistada. As batalhas duravam dias e mais dias, na sua cabecinha de menino da terceira série.

Como todo senhor da guerra que se preze, desejava expandir a tropa. Infelizmente esse brinquedo não era como jogo de bolinha de gude, no qual era possível aumentar o arsenal às custas da inocência dos outros. Um pacote com cinco soldadinhos sortidos custava dinheiro, dinheiro miúdo, mas uma fortuna para o menino de idéias beligerantes e pais desempregados.

Então ele tem um estalo. Lembra-se que um colega da escola, garoto mimado e meio rico, vive a exibir seu exército no recreio. São tantos bonecos que nem cabem na mochila. Planeja surrupiar um por dia, sem que o dono mais favorecido desconfie.

Agora o menino tem um belo exército, conquistado às custas do outro, endinheirado e exibicionista, que adora humilhar os coleguinhas de uniformes velhos e merendeiras vazias. Finalmente o menino vai brincar de guerra grande, com muitas trincheiras, manobras, tomadas de posições, atos de coragem.

Ele vai até o cantinho preferido e ajeita o campo da batalha dos sonhos. Nem percebe os tiros que pipocam lá fora, disputa entre traficantes. O menino cai, peito no chão como seus heróis de borracha, atingido por um projétil calibre 7.62.
12:54 AM
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