segunda-feira, março 22, 2004

UM BANQUINHO, UM VIOLÃO
por Adalberto Silva

Eu detesto violão. Descobri isso numa festinha na casa de um amigo. Bem, não odeio completamente. Culpa das canções de Bob Dylan e do Rei Roberto tocando “Detalhes”, que ajudaram a diminuir a minha antipatia pelo instrumento. Aliás, a repúdia maior não é nem em relação ao som (neste quesito, eu odeio, em caps lock, gaita), mas pelo seu cunho antisocial.

Explico melhor. Na festa, regada a cerveja e adubada com carne vermelha, não havia conversa, interação pessoal, nada. Só a cantoria das pérolas da MPBB (música popular brasileira de barzinho): “O Bêbado e o equilibrista”, “Oceano”, “Já sei namorar”, "Tarde em Itapuã", legião urbana, mamonas assassinas. As únicas palavras ouvidas, tirando a letra das músicas, eram um “pega uma cerveja pra mim?”, “toca Zeca Pagodinho”, “nossa, essa é ótima”. O ambiente estava perfeito para os tímidos patológicos, daqueles que se borram nas calças quando interpelados por alguém.

Apesar de tudo, fui um dos últimos a sair. Já em casa, com as vistas embaçadas e o sangue cheio de cerveja, tentei ver a corrida de Fórmula 1. No momento em que digito essas linhas, ainda não sei o resultado da corrida. Mas a minha prostração no sofá da sala rendeu uma boa teoria.

Enquanto olhava a TV, imaginei que o violão, ou melhor, a ausência dele, poderia ter mudado o destino do Brasil. Transporte-se para o período da ditadura militar. A oposição, fervilhante, repleta de universitários desejosos de liberdade. E universitários desejosos de liberdade, como se sabe, adoram sentar em torno de um violão. Quantas discussões, plenárias, articulações de guerrilhas, passeatas foram adiadas por causa paixão coletiva pelo instrumento de seis cordas.

Pensando bem, até que o violão é um instrumento legalzinho... Se não fosse ele, a esquerdinha se articularia melhor e o Brasil poderia ter se tornado uma Albânia, ou uma Cuba hipertrofiada, quem sabe Camboja. Sem violão, não haveria nada de afrouxamento lento, gradual e seguro. Mas se o país pulasse do Comunismo para o Capitalismo pululante do Tigres Asiáticos? A melhor coisa é esquecer a ucronia para não ficar igual a um cachorro em busca do próprio rabo.

Uma coisa é certa. Da próxima vez em que eu for a uma festinha e der de cara com a rodinha de violão, vou ter algo para culpar se for embora sem beijar nenhuma garota.






12:06 AM
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