quinta-feira, março 25, 2004
SOBRE "AS LOUCAS BALADAS DOS PAULISTINHAS ENDINHEIRADOS"
por João do Papel
Quem ainda não leu, mas pode ler aqui a matéria sobre a Geração $, turminha de paulistas cheios de grana, não perdeu nada. O texto, que invadiu com a impetuosidade de um ILoveYou os e-mails da classe média trabalhadora, é uma obra de ficção atestando que -- sim -- os filhos dos ricos são arrogantes e preconceituosos. Mas... onde está o confronto, marca do bom jornalismo? Porque o que essa matéria faz é reforçar um estereótipo, arrastando para a página do AOL milhares de mensagens no tom de "era isso mesmo que eu pensava deles, aqueles fdp". Essa matéria, ficção da boa, é jornalismo da pior categoria.
O New Journalism, a técnica explorada pelo autor da matéria, é uma coisa atraente. O movimento literário da década de 60, que rendeu bons livros, textos inteligentes e a imbatível criatividade da vida real, é uma mistura de apuração psicótica, uma pororoca de detalhes, prosa bem costurada, narrativa de romances psicológicos e talento. Mas deixou a credibilidade de lado. O jornalista, na sanha de impressionar, toma liberdades que vão mal com a imparcialidade. E imparcialidade é o gol supremo de qualquer diário de notícias que se leva a sério.
Como está bem dito na página de comentários do Nomínimo (aqui), a matéria versa sobre eventos que levam até o menos sensível a oscilar entre excitação e náuseas, desejo e repulsa. Isso é literatura. Para fazer isso, ele escreve com meia dúzia de preconceitos em cada bolso. A pergunta que não quer calar: o que há de diferente entre essa história que percorreu os e-mails corporativos e a bravura teatral dos comentaristas de TV em programas como "Cidade Alerta" e "Brasil Urgente"?
Da mesma forma que o Gugu foi proibido de ir ao ar por falsificar uma exclusiva com o PCC; da mesma maneira que o Ratinho atrapalhou a negociação durante o sequestro do irmão do Zezé di Camargo; da mesma maneira que o repórter do New York Times inventou mil matérias lindas e caiu do cavalo; nós, os consumidores -- classe média, classes D e E, governantes, empresários, macumbeiros, terroristas, papas, cachorros e papagaios -- somos os responsáveis. É tudo igual, e escolha nossa. Ninguém gosta de construir opiniões críticas ao redor de um assunto. A matéria do AOL, por mais inteligente que seja, é um passo para trás. A prova de que nosso gosto converge para a ficção de qualidade, custe o que custar. E -- fetiche! -- quando a obra de ficção vem com a assinatura de um jornalista diplomado, jurando que foi tudo apurado no fio da barba, o sabor é incomparável.
E pergunte se alguém quer tirar o sabor incomparável da boca.
por João do Papel
Quem ainda não leu, mas pode ler aqui a matéria sobre a Geração $, turminha de paulistas cheios de grana, não perdeu nada. O texto, que invadiu com a impetuosidade de um ILoveYou os e-mails da classe média trabalhadora, é uma obra de ficção atestando que -- sim -- os filhos dos ricos são arrogantes e preconceituosos. Mas... onde está o confronto, marca do bom jornalismo? Porque o que essa matéria faz é reforçar um estereótipo, arrastando para a página do AOL milhares de mensagens no tom de "era isso mesmo que eu pensava deles, aqueles fdp". Essa matéria, ficção da boa, é jornalismo da pior categoria.
O New Journalism, a técnica explorada pelo autor da matéria, é uma coisa atraente. O movimento literário da década de 60, que rendeu bons livros, textos inteligentes e a imbatível criatividade da vida real, é uma mistura de apuração psicótica, uma pororoca de detalhes, prosa bem costurada, narrativa de romances psicológicos e talento. Mas deixou a credibilidade de lado. O jornalista, na sanha de impressionar, toma liberdades que vão mal com a imparcialidade. E imparcialidade é o gol supremo de qualquer diário de notícias que se leva a sério.
Como está bem dito na página de comentários do Nomínimo (aqui), a matéria versa sobre eventos que levam até o menos sensível a oscilar entre excitação e náuseas, desejo e repulsa. Isso é literatura. Para fazer isso, ele escreve com meia dúzia de preconceitos em cada bolso. A pergunta que não quer calar: o que há de diferente entre essa história que percorreu os e-mails corporativos e a bravura teatral dos comentaristas de TV em programas como "Cidade Alerta" e "Brasil Urgente"?
Da mesma forma que o Gugu foi proibido de ir ao ar por falsificar uma exclusiva com o PCC; da mesma maneira que o Ratinho atrapalhou a negociação durante o sequestro do irmão do Zezé di Camargo; da mesma maneira que o repórter do New York Times inventou mil matérias lindas e caiu do cavalo; nós, os consumidores -- classe média, classes D e E, governantes, empresários, macumbeiros, terroristas, papas, cachorros e papagaios -- somos os responsáveis. É tudo igual, e escolha nossa. Ninguém gosta de construir opiniões críticas ao redor de um assunto. A matéria do AOL, por mais inteligente que seja, é um passo para trás. A prova de que nosso gosto converge para a ficção de qualidade, custe o que custar. E -- fetiche! -- quando a obra de ficção vem com a assinatura de um jornalista diplomado, jurando que foi tudo apurado no fio da barba, o sabor é incomparável.
E pergunte se alguém quer tirar o sabor incomparável da boca.
1:46 PM