domingo, março 28, 2004
SEXO
por João do Papel
PREÂMBULO: Sexo bom eleva o espírito porque é o destino do amor entre um homem e uma mulher; mas também é a trágica humilhação do espírito, a prova de que somos acorrentados ao mundo material e à satisfação dos sentidos.
A língua dela cola no céu da minha boca como um punhado de farinha seca. Depois a minha passeia pela flor de seu pescoço, e sinto os arrepios que sentia o Velho Braga, quando perguntava quantas guerras, quantas rudezas não custou à raça humana chegar até a perfeição da curva deste pescoço, deste colo, da disposição do arquipélago de pintas. Respiro a pele macia dos seios, o movimento suave dos braços, o aperto da mão delicada. Não há muito o que dizer. Os olhos de lápis preto manchados pelo suor, o cabelo despenteado, o vapor do corpo dela subindo pelo meu sangue, indo para a cabeça. Fixo com o olhar um ponto perdido na parede e me concentro no sabor de sua nuca.
O sangue brinca de subir e descer, a mente está leve feito algodão doce. Meus olhos ficam claros, como se as nuvens pesadas fossem afastadas por uma jogada do vento sul. Vejo a maravilha que a natureza preparou para sua própria multiplicação. Aprecio com calma o segredo das pintas na coxa, procuro um padrão que decifre o mistério da criação. Acaricio meu amor com as mãos que uso para trabalhar, assim como falo coisas bonitas com a mente que uso para trabalhar. De uma certa maneira, estou trabalhando.
Em qualquer outro ramo de ativididade humana, a repetição é persona non grata. Jogue fora o livro que insere o mesmo parágrafo eternamente, apesar de escrito em palavras diferentes (reserve um bom tempo, porque são muitos estes livros). Ignore a canção sem notação, quando um tipo de som é tocado sem sabor. Mas não recomendo nunca o mesmo para o sexo. Aqui a repetição é muito bem-vinda, amada. A repetição está para o sexo como a genialidade está para a loucura. Ela também é bem-vinda na poesia de Jards Macalé, na forma de verbos conjugados na musical terceira pessoa:
Frases desesperadas lençóis
Onde me ama
Furiosas garras
Meu amor me agarra & geme & treme & chora & mata
Belos versos, aos que eu ajuntaria, com a humildade necessária, um contraponto telúrico:
E acabamos os dois, encapados de suor.
por João do Papel
PREÂMBULO: Sexo bom eleva o espírito porque é o destino do amor entre um homem e uma mulher; mas também é a trágica humilhação do espírito, a prova de que somos acorrentados ao mundo material e à satisfação dos sentidos.
A língua dela cola no céu da minha boca como um punhado de farinha seca. Depois a minha passeia pela flor de seu pescoço, e sinto os arrepios que sentia o Velho Braga, quando perguntava quantas guerras, quantas rudezas não custou à raça humana chegar até a perfeição da curva deste pescoço, deste colo, da disposição do arquipélago de pintas. Respiro a pele macia dos seios, o movimento suave dos braços, o aperto da mão delicada. Não há muito o que dizer. Os olhos de lápis preto manchados pelo suor, o cabelo despenteado, o vapor do corpo dela subindo pelo meu sangue, indo para a cabeça. Fixo com o olhar um ponto perdido na parede e me concentro no sabor de sua nuca.
O sangue brinca de subir e descer, a mente está leve feito algodão doce. Meus olhos ficam claros, como se as nuvens pesadas fossem afastadas por uma jogada do vento sul. Vejo a maravilha que a natureza preparou para sua própria multiplicação. Aprecio com calma o segredo das pintas na coxa, procuro um padrão que decifre o mistério da criação. Acaricio meu amor com as mãos que uso para trabalhar, assim como falo coisas bonitas com a mente que uso para trabalhar. De uma certa maneira, estou trabalhando.
Em qualquer outro ramo de ativididade humana, a repetição é persona non grata. Jogue fora o livro que insere o mesmo parágrafo eternamente, apesar de escrito em palavras diferentes (reserve um bom tempo, porque são muitos estes livros). Ignore a canção sem notação, quando um tipo de som é tocado sem sabor. Mas não recomendo nunca o mesmo para o sexo. Aqui a repetição é muito bem-vinda, amada. A repetição está para o sexo como a genialidade está para a loucura. Ela também é bem-vinda na poesia de Jards Macalé, na forma de verbos conjugados na musical terceira pessoa:
Frases desesperadas lençóis
Onde me ama
Furiosas garras
Meu amor me agarra & geme & treme & chora & mata
Belos versos, aos que eu ajuntaria, com a humildade necessária, um contraponto telúrico:
E acabamos os dois, encapados de suor.
6:37 PM