quinta-feira, março 25, 2004
BOLO DE CENOURA
por João do Papel
No corredor do meu andar senti o cheiro de bolo de cenoura. E isso já eram quinze para a meia-noite. Estranho. Quem ia mexer com bolo uma hora dessas?
Não sei se era esse o cheiro. Podia ser calda de chocolate, que é muito usada sobre os melhores bolos de cenoura. Um nariz mais bem treinado, e até por isso mais cheio de soberba, diria que, indiscutivelmente, se tratava do delicado aroma da calda de chocolate sendo despejada sobre o bolo de cenoura. Mas aí é coisa para profissional.
Imagino, com uma ponta de melancolia, que o bolo era assado no humilde lar de um migrante, como eu. E que nesta noite de quinta-feira, fria e inexpressiva, a saudade apertou tanto aquele coração que só a receita de bolo, trazida de casa, daria jeito. Vejo uma estudante delicada, muito alva, entre raladores e farinhas, batendo a massa já com princípio de desespero; depois ela senta-se em frente ao forno, olhando o bolo crescer, e uma lágrima escorre pela bochecha; por fim vem o soluço e a queimadura no dedo porque ela esqueceu de pegar a fôrma com um pano.
A estudante agora come seu bolo, toma seu leite tipo B e sonha com os dias felizes de lá para trás. Ah, como senti saudade da minha casa, no início. Mas passou, e, ei, amiga passarinha, passa, você vai ver. É o inverno, a gente tem que voar, por instinto. No verão você volta para casa, de penagem nova, vai ser legal. E depois olha para trás e dá um sorriso meio triste, porque lembra da dor. Mas também lembra que foi forte. Espero que você seja forte, porque é muito bonito ser forte. Seja forte, nem que tenha que fazer um bolo de cenoura por dia. Eu vou amar o cheiro.
por João do Papel
No corredor do meu andar senti o cheiro de bolo de cenoura. E isso já eram quinze para a meia-noite. Estranho. Quem ia mexer com bolo uma hora dessas?
Não sei se era esse o cheiro. Podia ser calda de chocolate, que é muito usada sobre os melhores bolos de cenoura. Um nariz mais bem treinado, e até por isso mais cheio de soberba, diria que, indiscutivelmente, se tratava do delicado aroma da calda de chocolate sendo despejada sobre o bolo de cenoura. Mas aí é coisa para profissional.
Imagino, com uma ponta de melancolia, que o bolo era assado no humilde lar de um migrante, como eu. E que nesta noite de quinta-feira, fria e inexpressiva, a saudade apertou tanto aquele coração que só a receita de bolo, trazida de casa, daria jeito. Vejo uma estudante delicada, muito alva, entre raladores e farinhas, batendo a massa já com princípio de desespero; depois ela senta-se em frente ao forno, olhando o bolo crescer, e uma lágrima escorre pela bochecha; por fim vem o soluço e a queimadura no dedo porque ela esqueceu de pegar a fôrma com um pano.
A estudante agora come seu bolo, toma seu leite tipo B e sonha com os dias felizes de lá para trás. Ah, como senti saudade da minha casa, no início. Mas passou, e, ei, amiga passarinha, passa, você vai ver. É o inverno, a gente tem que voar, por instinto. No verão você volta para casa, de penagem nova, vai ser legal. E depois olha para trás e dá um sorriso meio triste, porque lembra da dor. Mas também lembra que foi forte. Espero que você seja forte, porque é muito bonito ser forte. Seja forte, nem que tenha que fazer um bolo de cenoura por dia. Eu vou amar o cheiro.
1:29 AM