quinta-feira, março 25, 2004

ADORO FEIJÃO TROPEIRO
por Adalberto Silva

Existem dois acontecimentos que eu não presenciei e pelos quais pagaria um bom trocado para ser testemunha ocular da história, como dizia o repórter esso. Não falo de fatos memoráveis da História com H maiúsculo, como o legendário gol de Pelé contra o Fluminense ou o desembarque dos comandos aliados em Omaha, e sim de dois eventos envolvendo pessoas comuns e um gênero alimentício de primeira necessidade.

O primeiro foi narrado no post “Segunda-feira ou lata de margarina”. Sem mais detalhes aqui. O segundo, ainda inédito em caracteres, me foi contado por um amigo. Esse cara exercia a função de auxiliar de balconista em uma farmácia de Jardim Camburi. O balconista sênior se chamava João, um tipo gordinho com barba estilo João Bosco, educado, bem articulado, amante de choro e água mineral com gás.

Sábado, movimento fraco, João pede ao meu amigo que vá buscar uma porção de feijão tropeiro na churrascaria ao lado. O garoto vai, estômago já se manifestando feito wah-wah de guitarra, tão solícito quanto interessado em saborear o acepipe. Retorna logo, cumbuca de isopor quente e perfumada nas mãos.

O boticário agradece e se dirige ao fundo da farmácia para deliciar-se com o sonho de consumo instantâneo. Meu amigo vai atrás, em busca da parte que lhe cabe. Os dois lavam as mãos, preparam talheres, falam asneiras, até que João surta, como tomado por entidade de candomblé. Ele dá um urro e avança violentamente contra a cumbuca. Pega o feijão com as mãos e comprime com toda força fazendo um bolinho, que engole ao mesmo tempo em que emite ruídos guturais. Repete a performance umas cinco vezes, até que só restem vestígios do tropeiro espalhados pelo chão e grudados na sua barba. Sem pronunciar palavra, bebe um copo de água, limpa a boca, o rosto, e, como se nada tivesse acontecido, diz ao amigo: “adoro feijão tropeiro”.

O trainee, assustado, até se esquece da fome despertada pelo aroma do feijãozinho. Não mastigou nada mas ganhou uma boa história para contar. Sempre conta o causo empolgado, e eu, com um tico de inveja, nunca me canso de ouvir.


12:34 AM
(0) comments

Site Meter